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Cícero Dias em Portugal

É passado o tempo em que a cultura brasileira era conhecida no mundo pela inventividade do futebol e pela riqueza da sonoridade da nossa música popular. Inegavelmente, o futebol e a música são duas grandes manifestações que nos distinguem na cena internacional, acrescentando sinais positivos à imagem do país. 

Entretanto, nos dias atuais, o chamado soft power brasileiro tem se diversificado, projetando-se para além do futebol e da música. Ao lado da produção literária, a arte moderna brasileira é hoje difundida e respeitada no exterior. Está presente nas grandes coleções e no calendário das mais conceituadas galerias e instituições museológicas, a exemplo da recente mostra sobre a obra de Tarsila do Amaral no Museu de Luxembourg em Paris, que contou com mais de cento e vinte mil visitantes e da  exposição Brasil! Brasil!, encerrada no último dia 21,  que ocupou as principais galerias da vestuta Royal Academy of Arts em Londres, com grande sucesso.
As artes plásticas brasileiras alcançam maioridade e lugar de relevo no espectro da cultura global. Nossos artistas são reconhecidos e admirados pela crítica e pelo grande público no exterior.

O caso exemplar é o de Cícero Dias. A trajetória e a obra do pintor pernambucano são muito celebradas em Portugal. Cícero se estabeleceu no país durante a guerra, no período entre fins de 1942 e o ano de 1945, quando teve a oportunidade de não apenas expor seus trabalhos em galerias em Lisboa e no Porto , mas também de interagir com artistas e intelectuais modernistas portugueses, tais como Almada Negreiros, Luís Trigueiros, Adriano de Gusmão e outros.  Em Portugal sua pintura adquiriu uma pulsação feérica. Predominavam em suas telas cores fortes, verdes luxuriantes e motivos vegetais carregados de memórias de sua infância em Pernambuco.

De Lisboa, correndo enorme risco, Cícero fez chegar às mãos de Roland Penrose, em Londres, o poema Liberté, de Paul Eluard, que foi lançado pela Força Aérea Britânica - RAF, sobre o solo francês, para animar a resistência contra a ocupação nazista do país. 

No âmbito do resgate da memória da presença de Cícero Dias em Portugal, com o apoio decisivo do governo do estado de Pernambuco e da secretaria estadual de cultura, o Centro Cultural de Cascais planeja receber uma exposição do artista, a ser inaugurada no próximo mês de setembro, contendo uma seleção exclusivamente de seus trabalhos relativos ao campo imagético de suas vivências e memórias  pernambucanas.  A ideia é resgatar a produção figurativa, em que surgem fragmentos da paisagem humana e natural de Pernambuco, notadamente a famosa Suíte Pernambucana, pertencente ao Museu do Estado de Pernambuco – MEPE e o desenho aquarelado do Engenho Noruega, que ilustrou a primeira edição de Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre, seu amigo da vida inteira, outro ilustre nome de Pernambuco, que também desfruta de grande prestígio em Portugal. Com ênfase na iconografia pernambucana, obras do colecionador e renomado arquiteto Carlos Augusto Lira foram prontamente disponibilizadas e serão incorporadas ao acervo a ser exposto.   

A realização da exposição de Cícero Dias no Centro Cultural de Cascais, um dos mais bem localizados e prestigiados equipamentos culturais do país, não constitui apenas um projeto de apresentação da obra do artista, enseja também uma oportunidade ímpar de difusão dos valores e da diversidade da cultura pernambucana. Trata-se de uma “janela” privilegiada de divulgação da arte, da cultura e também do protagonismo empreendedor dos pernambucanos. Converte-se numa chance de exercício pleno do  soft power, de evocação das forças produtivas e simbólicas do estado de Pernambuco, que goza de uma história rica e de uma cultura pujante, um patrimônio excepcional capaz de integrar-se por si só ao grande concerto do mundo global.  

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