opinião

O verdadeiro Brasil

Uma das principais marcas do pensamento social brasileiro é a busca por uma identidade nacional. Marcada pela miscigenação e o passado sombrio escravagista, o Brasil com sua diversidade, certamente provoca nos pensadores sociais o desafio hermenêutico.

Antes do desenvolvimento da Sociologia como disciplina autônoma no Brasil, vários autores procuraram entender a realidade nacional. Esses ideólogos “inventaram” um Brasil ancorado na imaginação e ao mesmo tempo, com necessidade de apresentar uma visão particular do país. No período final do Segundo Reinado e dando o início da República, figuras como Euclides da Cunha e Joaquim Nabuco ganharam notoriedade.

Nascido no Rio de Janeiro, Euclides da Cunha trabalhou no jornal O Estado de São Paulo levando-o a cobrir a 4° expedição do Exército  contra Canudos. Baseado na cobertura produziu a famosa obra Os Sertões, sendo a mesma dividida em três partes: “A Terra”, “O Homem” e “A Luta”. 

Na referida obra, encontra-se descrições da vegetação e principalmente da população, focada na miscigenação e compreendendo que o Brasil não tem unidade de raça, apontando ser o que considera “problemas de mestiçagem”. Na visão euclidiana, a civilização não consegue chegar ao Brasil, porque não possui a força intelectual suficiente da raça branca “fundadora”, mas também não possui a bravura das raças indígenas. Aí estaria o principal problema de se viver à margem da socialização da nação. Ao sustentar a ideia, Euclides da Cunha em seu livro Os Sertões diz que “a nossa evolução biológica reclama a garantia da evolução social”.
Natural da cidade do Recife, o pernambucano Joaquim Nabuco era de família influente na política. Em 1880, criou a “Sociedade Brasileira Contra a Escravidão”.

No ano de 1884, Nabuco publicou o livro O Abolicionismo, defendendo suas teses antagônicas a escravidão, entre as quais, a de que a escravidão não pode ser encarada apenas como uma opção econômica, mas uma escolha moral que desumaniza o escravo e que ao longo dos anos tem sido o motivo para o atraso de várias gerações. Entendendo que o combate às práticas escravocratas, não deve se realizar apenas com olhar religioso e moral, mas por imperativos políticos.

Algo inquestionável é que na década de 1930, os ideais da sociologia brasileira priorizou buscar métodos de investigação com relação à formação e comportamento da sociedade brasileira. Figuras como Caio Prado Júnior adaptou de maneira consistente (algo raro na atualidade), tendo como pano de fundo uma visão marxiana. Por outro lado, o pernambucano Gilberto Freyre buscou aplicar os métodos antropológicos burilados por Franz Boas. Essas contribuições buscaram interpretar nossa realidade social divorciada da hermenêutica positivista e evolucionista, inspiradas no pensamento de Augusto Comte, Charles Darwin e Herbert Spencer, algo reinante no Brasil até então.

 A temática da miscigenação já havia sido explorada em obras de autores mencionados anteriormente. Porém, o evolucionismo anglo-saxônico exercia influência nos pensadores, entendendo que a miscigenação era o fator do atraso no desenvolvimento nacional. Entretanto, com Gilberto Freyre, ela toma maior dimensão, vez que, aparece de maneira inaugural como fator positivo para a civilização brasileira. Na visão Freyreana, a herança portuguesa não foi de toda prejudicial, na verdade, deu ao Brasil uma identidade própria. Entendo que a mestiçagem já é uma herança portuguesa, construída pelos mouros, semitas e romanos. Razão pela qual, o sincretismo encontrou guarida por aqui. No entanto, muitos autores discordam e criticam tenazmente o pensamento de Gilberto Freyre, afirmando que ele procurou arrefecer problemas como a colonização violenta, principalmente da escravidão.

Em sua obra de vertente weberiana, Sérgio Buarque de Holanda ao escrever Raízes do Brasil, desenvolve uma análise da colonização brasileira, não se limitando às questões culturais. Argumenta que a Europa Ibérica se desenvolvera diferente do restante do continente, patrocinando forte cultura personalista sobre as instituições. Sendo assim, esse conjunto de características culturais atrapalha o desenvolvimento de comportamento associativo. Daí, o homem cordial, não tendo experimentado um Estado racional impessoal ou burocrático aos moldes do que apresenta Max Weber, não consegue digerir a relevância que há nas formalidades das regras sociais. Fruto da cordialidade que o autor apresenta, a sociedade brasileira abriu espaço para política do caudilhismo ou do “coronelismo”, em que o líder popular é forjado a partir da força da sua personalidade, passando por cima das instituições.

Nascido em São Paulo, Florestan Fernandes tem uma visão bem antagônica ao que apresenta Gilberto Freyre, principalmente com relação à situação do negro na sociedade brasileira. Na obra Integração do Negro da Sociedade de Classe, utiliza categorias oriundas do marxismo para explicar o lugar do negro na luta de classe na sociedade brasileira. Apresentando, que existe um racismo estrutural não apenas no mercado de trabalho, mas se expandindo para as condições de moradia e no acesso à educação. Ressaltando que Florestan fez questão em fazer uma crítica cristalina ao que considera a ideia de “democracia racial”, atribuída à obra de Gilberto Freyre.

Natural da cidade de Montes Claros, o mineiro Darcy Ribeiro, em sua obra O Povo Brasileiro, apresenta uma teoria geral sobre o Brasil. Procurando dividir o país em regiões, vai explicando a especificidade de cada povo regional. Para ele, existe uma relação conflituosa, assim entende que o Brasil não é pacificado pela miscigenação. Foi através da miscigenação que os colonizadores impuseram aos nativos e, mais tarde, aos africanos uma forma de violência sexual.

Concordando ou não, a leitura dessas obras são de extrema relevância para compreender a formação do povo brasileiro e seus problemas sociais, procurando mapeá-los e se possível apresentar soluções para os mesmos.


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