RIO DE JANEIRO

Ameaça em show da Lady Gaga: especialista explica como jovens são atraídos por grupos radicais

Ação policial ocorreu na manhã e na tarde deste sábado. Pelo menos nove suspeitos foram identificados. Um homem foi preso no Rio Grande do Sul

Show gratuito de Lady Gaga em Copacabana acontece neste sábado (3) - Reprodução/Globoplay

Além da emoção que contagiou 2,1 milhões de fãs que presenciaram uma apresentação apoteótica da cantora Lady Gaga nas areias da praia de Copacabana, chamou atenção da imprensa internacional a ação da Polícia Civil do Rio e do Ministério da Justiça para identificar e impedir uma ameaça de ataque a bomba no evento. O plano foi articulado através de redes sociais e levantou a discussão sobre a participação de crianças e adolescentes em grupos virtuais radicalizados.

Segundo a polícia, entre os alvos do ataque estariam crianças, adolescentes e o público LGTQIA+. Batizada de "Operação Fake Monster", a ação identificou que os suspeitos estariam recrutando jovens pela internet para promover os ataques. De acordo com Letícia Oliveira, pesquisadora que faz o monitoramento dessas redes radicais, muitos desses jovens se conhecem em servidores de jogos online ou em ambientes chamados de 'web namoro'. Nesses grupos, lidam com o vazamento de fotos íntimas até a exposição a conteúdos extremamente violentos.

 

— Esses grupos se formam com base em identificação. São compostos principalmente por adolescentes e jovens adultos, mas a gente já encontrou até crianças envolvidas. É uma fase da vida em que a pessoa está tentando entender quem é e acaba se aproximando de grupos com os quais se identifica — o que, nesse caso, acaba sendo extremamente perigoso.

Veículos internacionais como BBC News, The Washington Post, CNN e The Telegraph destacaram a ação policial, na qual foram presos um homem no Rio Grande do Sul - apontado como o líder do grupo - e um adolescente, no Rio de Janeiro.

 

Imprensa internacional repercute ação policial contra ataque a bomba em show de Lady Gaga — Foto: Reprodução

Já se sabe que o bando disseminava crimes de ódio, automutilação, pedofilia e conteúdos violentos, o que motivou a elaboração de um relatório técnico pelo Ciberlab da Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência (Diopi) da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do MPSP.

— Eles começam consumindo conteúdos chocantes. Isso vai dessensibilizando esses jovens, ao ponto de o conteúdo deixar de gerar qualquer tipo de impacto emocional. Existe uma conexão direta com a subcultura dos chans, fóruns anônimos conhecidos mundialmente. Ali, ameaças, planos de ataque e discursos de ódio são normalizados. Essa lógica foi importada para o Brasil e influenciou muitas das ameaças e ataques que a gente viu na última década, inclusive contra escolas, feministas, pessoas negras e LGBTs — afirma a pesquisadora.

A informação de que o ataque aconteceria no show da cantora Lady Gaga teria sido recebida pela subsecretária de Inteligência da Polícia Civil, segundo o divulgado pela corporação. A partir daí, foi iniciado um trabalho para identificar os donos do servidor utilizado nas conversas e os participantes e coordenadores do grupo.

Os investigadores monitoraram os suspeitos e, em parceria com as polícias civis do Rio, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e São Paulo, nove pessoas foram identificadas.

— Dentro desses servidores, há uma espécie de competição interna. Quem consegue agir de forma mais violenta ganha prestígio entre os demais. Esses ataques não são aleatórios — eles são tratados como desafios, uma forma de conquistar status dentro da comunidade online em que participam — explica Letícia.

A pesquisadora afirmou ainda que esse tipo de monitoramento já vem sendo feito pela Polícia Federal, pelas polícias civis dos estados e pelo Ciberlab do Ministério da Justiça. Eles atuam com inteligência e prevenção, como já fazem na operação Escola Segura. Segundo Letícia, foi essa estrutura que possibilitou impedir o ataque ao show da Lady Gaga.

Em entrevista ao Globo, o delegado Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Operações Cibernéticas (Ciberlab) do MJ, reforçou que o trabalho do Ciberlab de auxílio às forças de segurança já ocorreu em grandes eventos e continuará acontecendo nos próximos.

O delegado explicou também que o planejamento dos ataques durante o show da Lady Gaga foi descoberto pelo trabalho da subsecretaria de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro, que informou o caso ao Ciberlab.

— O Ciberlab obteve os elementos informativos de quem eventualmente estava participando. As empresas cooperaram quando foram solicitados os dados e, por conta disso, se identificou esse possível ataque. Em decorrência disso, a Polícia Civil do Rio representou por medidas judiciais de busca e apreensão e a operação foi deflagrada.