Governador da Califórnia pede a Trump subsídio de US$ 7,5 bi para indústria de Hollywood
Se aprovado, seria o maior plano para o setor já criado nos EUA
Um dia após o presidente Donald Trump surpreender Hollywood ao defender tarifas pesadas sobre filmes "produzidos em terras estrangeiras", o governador Gavin Newsom, da Califórnia, disse nesta segunda-feira que deseja se unir ao governo Trump para criar um subsídio federal de US$ 7,5 bilhões (aproximadamente R$ 42,6 bilhões) para o setor de entretenimento.
A proposta, se aprovada, representaria de longe o maior programa de subsídio governamental já criado para a indústria nos Estados Unidos — e o primeiro do tipo em nível federal.
Mais de trinta de estados já oferecem incentivos para atrair e manter produções de cinema e televisão, mas não existe um programa nacional, como ocorre em alguns países no exterior. E nenhum programa estadual distribui mais do que cerca de US$ 1 bilhão por ano (ou R$ 5,6 bi). A Califórnia atualmente destina US$ 330 milhões anuais (cerca de R$ 1,88 bi).
“Os Estados Unidos continuam sendo uma potência do cinema, e a Califórnia está totalmente comprometida em atrair mais produções para cá”, disse Newsom, um democrata, em comunicado divulgado na noite de segunda-feira.
“Com base no sucesso do nosso programa estadual, estamos prontos para fazer parceria com o governo Trump para fortalecer ainda mais a produção doméstica e Fazer o Cinema Americano Novamente”, ele disse.
A proposta de Newsom veio como resposta à publicação feita pelo presidente nas redes sociais no domingo, em que ele defendia uma tarifa de 100% sobre filmes produzidos fora dos Estados Unidos.
No fim de semana, Trump se reuniu em seu clube Mar-a-Lago, na Flórida, com o ator Jon Voight, a quem nomeou como “embaixador especial” para Hollywood. Após a reunião, publicou a mensagem: “QUEREMOS FILMES FEITOS NA AMÉRICA, DE NOVO!”
A declaração do presidente causou confusão em Hollywood, que perdeu grande parte da produção local de filmes e séries para estados e países que oferecem créditos fiscais generosos e mão de obra mais barata. Embora poucos na indústria dissessem entender a proposta de Trump, alguns temiam que as tarifas pudessem causar mais danos do que benefícios e passaram a defender a ajuda federal por meio de créditos fiscais.
O crédito fiscal proposto por Newsom é inspirado no programa de incentivos da Califórnia, embora os detalhes sobre seu funcionamento e aplicação ainda sejam incertos. Na manhã de segunda-feira, o senador Adam Schiff, democrata da Califórnia, disse que seu gabinete estava elaborando uma proposta federal de incentivo ao cinema.
A Casa Branca não respondeu imediatamente na noite de segunda às perguntas sobre a proposta do governador da Califórnia.
Voight, acompanhado de Steven Paul, seu agente de longa data, se reuniu com Trump e apresentou planos para aumentar a produção de filmes nos EUA, segundo comunicado da SP Media Group, empresa de Paul. Eles sugeriram incentivos fiscais federais, mudanças no código tributário, tratados de coprodução com outros países e subsídios para infraestrutura, segundo o texto.
A proposta também incluía “tarifas em determinadas circunstâncias”, segundo o comunicado, acrescentando que a ideia está sob análise.
Voight esteve em reuniões com representantes de Hollywood na semana passada, incluindo a Motion Picture Association (MPA), principal grupo de lobby da indústria; vários sindicatos; e legisladores da Califórnia que promovem projetos de lei para ampliar os créditos fiscais estaduais para cinema e TV.
O senador estadual Ben Allen, democrata cujo distrito inclui Hollywood, se encontrou com o ator para discutir como aumentar a produção no estado, segundo um porta-voz.
Voight saiu desses encontros com dois documentos de uma página elaborados pela Motion Picture Association. Uma das cartas encoraja os legisladores em Washington a adotarem incentivos à fabricação e produção como forma de fomentar o emprego doméstico. A outra pede ao Congresso que prorrogue uma seção do código tributário, que expira no fim de 2025, e que permite deduzir certos gastos com cinema e TV no ano em que são realizados.
Não havia menção a tarifas nos rascunhos dos dois documentos, que foram lidos pelo The New York Times.
As cartas foram endossadas por diversas entidades de Hollywood. A Motion Picture Association preferiu não comentar na segunda-feira. Os membros da associação incluem Disney, Netflix, Paramount, Sony, Universal, Warner Bros. e Amazon.
Muito ainda é incerto sobre a proposta de tarifas de Trump e ainda restam dúvidas sobre a política: que tipo de filmes, exatamente, seriam tarifados? As tarifas se aplicariam apenas a filmes que recebem incentivos fiscais de outros países — ou a qualquer filme com cenas gravadas no exterior? E quanto aos filmes estrangeiros? Ou aos trabalhos de efeitos visuais realizados fora dos EUA? Diante dessas e outras dúvidas, analistas disseram ser altamente improvável que uma tarifa de 100% sobre todos os filmes feitos no exterior seja realmente implementada.
Na manhã de segunda-feira, um porta-voz da Casa Branca, Kush Desai, esclareceu que “nenhuma decisão final sobre tarifas para filmes estrangeiros foi tomada”, mas acrescentou que “a administração está explorando todas as opções para cumprir a diretriz do presidente Trump”.
Trump disse a jornalistas na segunda-feira que planejava se reunir com representantes da indústria do entretenimento, acrescentando: “Não quero prejudicar a indústria; quero ajudá-la.”
A indústria tem, de fato, clamado por ajuda — embora talvez não deste tipo.
Com incentivos governamentais generosos e mão de obra mais barata atraindo estúdios de cinema e TV para longe de Hollywood, Los Angeles ficou em desvantagem. Milhares de trabalhadores da classe média do setor — operadores de câmera, decoradores de set, técnicos de iluminação, maquiadores, fornecedores, eletricistas — viram seus empregos desaparecerem.
Em comunicado na segunda-feira, a International Alliance of Theatrical Stage Employees afirmou que dezenas de milhares de empregos foram perdidos nos EUA nos últimos dois anos.
— Os Estados Unidos precisam de uma resposta federal equilibrada para recuperar os empregos do setor audiovisual — disse o presidente do sindicato, Matthew D. Loeb.
O sindicato elogiou Trump por reconhecer a ameaça que a concorrência internacional representa para os empregos na indústria nacional, mas Loeb afirmou que “aguarda mais informações sobre o plano tarifário proposto pelo governo”. Ele acrescentou que o sindicato não apoiaria um plano que prejudicasse seus membros no Canadá, nem a indústria como um todo.
Duncan Crabtree-Ireland, presidente do SAG-AFTRA, sindicato que representa atores, disse em nota: “Esperamos conhecer mais detalhes sobre o plano anunciado pelo presidente e avançar no diálogo para alcançar nossos objetivos em comum.”
Trabalhadores da indústria e autoridades estaduais têm buscado aumentar os recursos disponíveis para filmagens no estado da Califórnia, e alguns começaram também a defender um crédito fiscal federal que possa ser somado aos incentivos estaduais, como o proposto por Newsom. O governador tem defendido mais que dobrar os recursos disponíveis para o programa de incentivo da Califórnia.
Na segunda-feira, um grupo de legisladores estaduais e federais, sindicatos e produtores de cinema manifestaram gratidão pela atenção de Trump ao tema, mas defenderam créditos fiscais em vez de tarifas.
Loeb, por exemplo, afirmou que seu sindicato recomendou ao governo Trump a criação de um incentivo fiscal federal para produção cinematográfica. Schiff concordou — e, ao que parece, Newsom também.
“Compartilho o desejo do governo de trazer a produção cinematográfica de volta aos Estados Unidos”, disse Schiff em nota. “Embora tarifas abrangentes sobre todos os filmes possam ter efeitos colaterais não intencionais e prejudiciais, temos a oportunidade de trabalhar juntos para aprovar um grande crédito fiscal federal que recoloque os empregos da indústria em território americano.”