opinião

A vida é arte

Alguém já disse: quando a realidade se torna difícil, a saída é a arte. Foi assim com Caravaggio, e seus vermelhos. Com Picasso, e sua Guernica. Com Sebastião Salgado, e suas fotografias testemunho sobre a Amazônia. Nesse sentido, arte é destino. Mas, arte também pode ser origem.

Origem para marcar o tempo. Como As Quatro Estações de Vivaldi. Ou Os Anéis de Nibelungo, de Wagner, fixando a paisagem alemã. Ou As Bachianas Brasileiras, de Villa Lobos, projetando um perfil da música no trópico.

Portanto, arte é origem e destino. Se assim for, arte é encontro. Esta ideia me veio, hoje, com os cardeais. Os cardeais são dois amigos que, comigo, almoçam mensalmente. Levamos para a mesa não só apetite. Mas cabelos brancos. E uma contenção própria do outono. Sem nos escapar a generosidade dos que sabem que é melhor dar que receber. Nossas conversas são sempre inspiradoras.

No descanso pós-almoço, refleti sobre nosso papo. E lembrei de estudo que li sobre Van Gogh. E a influência que teve sobre ele a convivência, em Paris, com Monet, Renoir, Degas, Pissarro. Produziu, então, mais de duzentas telas. E, em Arles, para onde foi, alcançou sua maturidade. Sua energia vital era enorme. Estava sempre adiante nas técnicas pictóricas.

Mas, além da relevância do círculo de outros pintores na sua produção, anote-se seu interesse sobre música. Em cartas para o irmão Théo, ele referiu-se algumas vezes a Wagner. Depreende-se dos termos da missiva que eles teriam comparecido a uma audição de Wagner. Ora, naquela época, 1886, a música era saboreada por uma minoria. A Societé Nationale de Musique foi fundada em 1871. Somente em 1875, o compositor Bizet estrearia a ópera Carmen. Cuja simplicidade moderna causou repercussão sem precedente.

Cesar Franck, um mestre da música de câmera, anunciou um inédito comentário criando paralelo entre música e pintura. Disse ele: “Pintem traços, montes de traços”. Van Gogh e Gauguin fizeram o inverso: utilizaram as cores como elemento essencial da pintura. E o resultado foi a acolhida dos apreciadores.

Com meu parco conhecimento sobre arte, entendo que arte é como se fosse uma peça única, embora não sendo: um crepúsculo em Ipanema, uma visão do deserto de Mojave. Ou seja, coloca-se tudo lá: pintura, música, arquitetura, literatura. Talvez por isto eu goste tanto de cinema. Porque, em filmes, eu tenho imagem, som, enredo. Num trabalho só.    

Uma das duplas mais admiradas no cinema, juntava Federico Fellini, diretor de cinema, e Nino Rota, compositor e regente, autor das trilhas sonoras dos filmes fellinianos. Tenho quase todas as trilhas da cinematografia do italiano. Ao ouvi-las, uma, duas, três vezes, em casa, me movimento com os atores, mudo de ambiente, navegando em La Nave Va. Sem sair da poltrona.

É o encontro de arte com arte. Ou simplesmente, a arte. Por exemplo, o que nos sugere o Adágio de Albinoni? Que conto pode ser escrito com suas cordas? Que poema? O que ouvia Burle Marx para desenhar seus parques?


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