Antes do início do Conclave, cardeais tinham uma certeza: não esperar muito do cardápio
Menu da Casa Santa Marta, onde ficarão até a escolha de um novo Papa, não é conhecido pela excelência; no passado, jantares incluíram caviar, mas também apenas pão e água
Os cardeais reunidos para escolher o novo chefe da Igreja Católica têm altas expectativas sobre quem será eleito ao final do conclave, mas são modestos e realistas quando o assunto é o que eles vão comer até a reabertura das portas na Capela Sistina.
"Comida que você pode comer em uma estação de trem", foi como o cardeal Mauro Piacenza, um veterano de conclaves da cidade italiana de Gênova, famosa por seu pesto, descreveu o cardápio na Casa Santa Marta, onde os cardeais ficarão até o fim do processo.
Ao descrever o que seria “comida de estação de trem”, ele disse que falava de um macarrão “com molho aguado”, alguns tipos simples de proteína e saladas.
"Nada muito animador", afirmou.
O ambiente na Casa Santa Marta também não é dos mais animadores. O refeitório tem colunas em tom verde claro, móveis simples e alguns desenhos de admiradores expostos no corredor, incluindo um mostrando o Papa Francisco como um cavaleiro Jedi de “Guerra nas Estrelas”.
Mas os cardeais estavam ansiosos por uma reserva ali, uma vez que foi o local escolhido por Francisco para passar seus dias. Antes da deterioração em sua saúde, quando passou a comer no quarto, o Pontífice frequentava o refeitório, se sentando em uma mesa entre a janela e a geladeira.
Entre os residentes da Casa Santa Marta, Francisco, com sua ênfase na simplicidade e humildade, foi apontado como um culpado pela queda na qualidade da comida. Alguns se queixam dos vegetais sem sabor, do macarrão sem graça e do uso de sobras de presentes dados ao Papa, como uma caixa de tâmaras vindas do Oriente Médio.
Ao redor do espectro ideológico na Igreja, há ao menos um consenso.
"Você não come muito bem", disse o cardeal Gianfranco Ravasi, da Itália, um apoiador de Francisco.
A mesma opinião foi externada pelo cardeal Gerhard Ludwig Müller, da Alemanha, que em 2017 foi demitido da Congregação da Doutrina da Fé por ordem do Papa.
No conclave, não estão previstas melhorias no menu.
A tradição de trancar os cardeais começou no Século XIII, depois que os moradores de Viterbo, uma cidade ao norte de Roma onde a votação estava sendo realizada, ficaram tão revoltados com o processo, que levou anos, que arrancaram o telhado do prédio onde os religiosos estavam e reduziram o menu a pão e água.
Gregório X, o Papa eleito naquele conclave, decretou, em 1274, que após três dias de votação os cardeais receberiam apenas uma refeição diária. Quanto mais tempo a escolha demorasse, menos comida estaria disponível.
Os cardápios melhoraram ao longo dos anos, mas em alguns conclaves, os pratos foram inspecionados para evitar que mensagens secretas chegassem aos cardeais — tortas e frangos inteiros eram estritamente vetados.
Quando um cardeal morreu em um conclave no Século XVI, houve alegações de que a comida poderia estar envenenada. Em uma votação que se estendeu de novembro de 1549 até fevereiro de 1550, o conhecido chef do Vaticano Bartolomeu Scappi percebeu que alguns dos religiosos se revezavam como “testadores” antes dos demais comerem. Depois de liberados para comer, os cardeais comiam e bebiam vinho à vontade.
Scappi não deixou registrado o que eles comeram na época, mas Crystal King, autora de um livro sobre o chef, escreveu que os indícios apontam para um cardápio composto por “ravioli e pappardelle de coelho”, além de “pães com queijo, croquetes de vitela, costelas de boi grelhadas, crostatas de cogumelos, faisões com molho de groselha e até omeletes de caviar”.
Os tempos mudaram, e embora o refeitório da Casa Santa Marta não sirva apenas pão e água, os cardeais que chegaram para a votação tinham uma coisa certa em mente: não chegar ali na expectativa de um grande banquete.
"Comerei qualquer coisa que nos sirvam", disse o cardeal Fridolin Ambongo Besungu, do Congo, no domingo.
Ao ouvir de um repórter os relatos sobre o cardápio da cafeteria, ele brincou.
"E você não está morto", afirmou, sugerindo aos demais, e a ele mesmo, que “tenham fé no Espírito Santo”.