RELIGIÃO

Número de católicos permanece estável, com queda expressiva na Europa e forte aumento na África

Cerca de um sexto da população mundial, ou 1.406 bilhão de pessoas, professa a fé católica, segundo dados atualizados do Vaticano

Fiéis na Praça de São Pedro no anúncio do papa Leão XIV - Andrea Bernardi /AFP

Habemus Papam! A Praça de São Pedro, no Vaticano, foi tomada por uma multidão de fiéis nesta quinta-feira que se dirigiu para lá para ouvir em primeira mão sobre a escolha do sucessor do Papa Francisco. Cerca de um sexto da população mundial professa a fé católica, segundo dados atualizados do Vaticano.

É, sem dúvidas, o maior grupo religioso do planeta, embora tenha perdido tração nas últimas décadas, em grande parte devido a um forte processo de secularização em lugares como a Europa, que costumava ser o bastião do cristianismo, e de “perda de almas” para religiões protestantes na América Latina. No sentido contrário, a África há anos encabeça a lista de expansão de adeptos ao catolicismo. Não à toa, é chamada por muitos de “o futuro da Igreja Católica” e teve sua participação ampliada na hierarquia da Igreja durante o pontificado de Jorge Bergoglio.

O número de católicos no mundo permanece estável há anos, totalizando 1.406 bilhão, segundo o Vaticano. O maior rebanho de fiéis está localizado na América (672,1 milhões), seguida pela Europa (286,8 milhões), África (281 milhões), Ásia (154,7 milhões) e Oceania (11 milhões), nesta ordem.

Entre 2022 e 2023, mais de oito milhões de africanos se converteram ao catolicismo, tornando o continente uma das regiões com crescimento mais rápido para a Igreja — no mesmo período, o número de católicos saltou de 272 milhões para 281 milhões, um crescimento de 3,31%. Com isso, a África agora abriga 20% dos católicos de todo o planeta, de acordo com o Anuário Pontifício 2025 e o Anuário Estatístico Eclesiástico de 2023.

Especialistas destacam a importância do Papa Francisco neste contexto. Ao longo de seu papado (2013-2025), Jorge Bergoglio, o primeiro Pontífice latino-americano, que morreu em 21 de abril, aos 88 anos, visitou 10 países africanos (Quênia, Uganda, República Centro-Africana, Egito, Marrocos, Moçambique, Madagascar, Ilhas Maurício, República Democrática do Congo e Sudão do Sul) em cinco viagens ao continente. Para efeito de comparação, seu antecessor, Bento XVI, esteve duas vezes na África durante seus oito anos como líder da Igreja.

Francisco se dedicou de maneira muito ativa na mediação de conflitos em países africanos como o Sudão do Sul. Em um episódio emblemático, em 2019, ele se ajoelhou e beijou os pés dos líderes rivais do país, pedindo aos dois que se empenhassem no processo de paz, em meio a uma disputa que já durava anos e havia deixado milhares de mortos. Quatro anos depois, voltou à capital Juba em uma missão especial que incluiu o então arcebispo da Cantuária, Justin Welby, líder máximo da Igreja Anglicana.

O Papa também fez questão de que o Vaticano se posicionasse em países de maioria islâmica em que os católicos são perseguidos, como Egito, Chade, Somália, Sudão e norte da Nigéria, lembra Alexandre dos Santos, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e um dos coordenadores do Laboratório de Estudos e Pesquisas sobre o Continente Africano e as Afro-Diásporas (Lepecad).

— Isso mostra um papel muito contundente de soft power da Igreja e a coloca como um dos grandes players políticos para salvaguardar a paz e a estabilidade — afirma, em entrevista publicada pelo GLOBO no domingo. — Especialmente por isso, a Igreja vem ganhando apoio e penetração entre os jovens africanos. E Francisco esteve muito atento a essa característica do continente.

Processo de abertura
Em paralelo, o Pontífice argentino tomou decisões que afastaram a estrutura de liderança da Igreja Católica Romana de sua histórica base europeia e a direcionou para países da África Subsaariana, Ásia, América Latina e regiões como o Oriente Médio e o Norte da África.

Durante 12 anos, Francisco nomeou 80%, ou 108, dos 135 cardeais hoje com menos de 80 anos e que, portanto, estão aptos a eleger o próximo Papa — dois deles não estarão no conclave por questões de saúde. Deste total, 38% são da Europa, 19% da América Latina e do Caribe, 19% da região Ásia-Pacífico, 12% da África Subsaariana, 7% da América do Norte e 4% do Oriente Médio e Norte da África. Os demais foram nomeados por Bento XVI e por João Paulo II. Mas, se a Europa ainda representa a maior parcela dos votantes, foi Bergoglio que contribuiu para aumentar a representatividade dos demais continentes.

Segundo dados compilados pelo Centro de Pesquisa Pew, com sede nos EUA, a região da Ásia-Pacífico hoje é responsável por 18% dos cardeais com direito a voto, em comparação com 10% em 2013; a África Subsaariana, por 12%, contra 8%; a região da América Latina e Caribe, por 18%, frente a 17%; Oriente Médio e Norte da África, 3%, ante 2%. Por outro lado, a Europa tem hoje 40%, em vez de 51%, e a América do Norte, 10%, em vez de 12%.

— Francisco foi o primeiro Papa não europeu. Não surpreende que tenha tido a sensibilidade de olhar para fora da Europa, mas certamente também havia um projeto de desenho de sucessão. Ele não nomeou tantos cardeais à toa — afirma o teólogo Ronilso Pacheco, diretor no Instituto de Estudos da Religião (Iser), em entrevista publicada pelo Globo no domingo.

Segundo Pacheco, embora, na prática, as mudanças tenham sido “muito poucas”, Francisco abriu caminho para que elas acontecessem ou fossem minimamente discutidas, e esse olhar para as periferias do mundo, “talvez fosse, embora não assegurado, o principal caminho para garantir que a abertura não retrocedesse nem fosse interrompida”.