Tarcísio tenta driblar 'saia justa' do aumento de seu salário com reajustes do funcionalismo
Chefe do Executivo paulista passa a ganhar R$ 36,3 mil por mês
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), resolveu o impasse sobre o projeto de lei que aumenta seu próprio salário — e, por consequência, amplia o teto do funcionalismo — ao dar aval a um pacote extra de reajustes aos servidores estaduais e do mínimo paulista, aprovado na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) na noite desta terça-feira (13). O movimento já havia sido adiantado por deputados ouvidos pelo GLOBO em fevereiro.
Com ampla maioria no Legislativo, Tarcísio sinalizou à época que aceitaria rever os próprios ganhos para contemplar os servidores estaduais que ficariam impedidos de receber mais do que ele, mas se mostrava reticente sobre o impacto da medida na opinião pública. O projeto ficou em "banho-maria" até esta semana, quando um novo texto foi aprovado às pressas pelas comissões e incluído na mesma pauta dos demais.
Na noite desta terça-feira (14), os parlamentares aprovaram o aumento salarial de 5% para o chefe do Executivo, o vice-governador e os secretários estaduais. Tarcísio passa a receber R$ 36.301,53 mensais, em vez dos R$ 34.572,89 atuais. O vice-governador, Felício Ramuth (PSD), terá R$ 34.486,63 em salário, e não mais R$ 32.844,41, e cada secretário estadual eleva seus vencimentos de R$ 31.115,58 para R$ 32.671,36. Os novos valores passam a valer assim que os projetos forem sancionados por Tarcísio.
Inicialmente, o projeto de lei de autoria do deputado Carlão Pignatari (PSDB) estabelecia um reajuste de 9,68% para Tarcísio, Ramuth e seus auxiliares diretos, calculado com base na inflação acumulada em dois anos. A intenção era estabelecer um novo teto para a elite do funcionalismo, vinculado ao salário do governador.
A mesa diretora encaminhou um substitutivo ao projeto, que recebeu parecer favorável do relator Capitão Telhada (PP) e foi aprovado, ainda na segunda-feira, de forma conjunta pelas comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Finanças. No dia seguinte, o presidente da Casa, André do Prado (PL), amparado pelos líderes, colocou o texto em votação simbólica no plenário. Apenas a bancada do PSOL votou contra. O deputado Guilherme Cortez, líder do partido, declarou que o governador "não estava merecendo o aumento".
— Para aumentar o próprio salário, Tarcísio concedeu um pacote de migalhas para os servidores públicos. Esse é o retrato de um governo que desde que assumiu só soube atacar o serviço público.
Pacote é criticado pela base governista
A aposta do governo Tarcísio era a de aliviar eventuais críticas com a aprovação do novo salário mínimo no estado, que avança de R$ 1.640 para R$ 1.804. O aumento é de 10% e o ajuda em uma eventual disputa para presidente contra Lula (PT) no ano que vem. O reajuste real do salário mínimo, que atualmente está em R$ 1.518, é uma das bandeiras políticas do petista e o abandono da política por seu antecessor foi largamente explorado na disputa contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), há três anos.
No caso do funcionalismo público do estado de São Paulo, o governador acenou com um abono complementar para os servidores que ganham o piso, de modo a equiparar seus salários ao mínimo paulista. O restante, calculado em 925 mil pessoas, incluindo servidores inativos, precisou se contentar com os mesmos 5% do chefe, portanto, abaixo da inflação acumulada em dois anos. Segundo o secretário estadual da Fazenda e Planejamento, Samuel Kinoshita, o impacto deve ser de R$ 3,7 bilhões por ano.
Esse cenário levou a críticas inclusive na base governista na Alesp. Nos bastidores, alguns deputados chamaram de "merreca" a proposta do Executivo, e a bancada bolsonarista cobrou publicamente Tarcísio sobre a promessa de valorizar os profissionais da segurança pública.
— Sou contrário aos 5% de reajuste. O funcionalismo público de São Paulo merece muito mais, principalmente os nossos policiais militares e civis — afirmou o deputado Gil Diniz (PL), conhecido como "Carteiro Reaça", que fez questão de registrar voto contrário ao projeto.
— A Secretaria da Fazenda está apertando demais o sapato — acrescentou o deputado Lucas Bove (PL), outro representante da bancada bolsonarista, para quem o governador e o secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite (PP), podem ter sido "induzidos ao erro".
O posicionamento está em linha com entidades do setor. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado (Sindsesp), por exemplo, divulgou uma nota lembrando que policiais civis receberam reajustes menores do que a Polícia Militar em 2023, no primeiro ano de governo Tarcísio, e não houve reposição no ano passado. Dessa forma, pede que a "distorção salarial" seja corrigida com a regulamentação da nova Lei Orgânica da Polícia Civil, que deve ser encaminhada em ainda este ano pelo governo.
A bancada do PT decidiu votar a favor da proposta, mesmo criticando os valores:
— Não queremos atrasar o pouco que o funcionalismo terá, por isso não derrubamos essa sessão. Mas, reajuste abaixo da inflação é arrocho — disse o líder do partido, deputado estadual Antonio Donato.