"Não tenho um avião para lhe dar", diz presidente da África do Sul após ser encurralado por Trump
Fala fez referência ao luxuoso jato 747 dado de presente aos EUA pelo governo do Catar, que foi formalmente aceito por Washington
Na áspera troca de farpas entre os presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, em encontro no Salão Oval nesta quarta-feira (21), o sul-africano fez um comentário ácido ao americano, mencionando que não tinha "um avião para lhe presentear".
A fala fazia referência ao luxuoso jato 747 dado de presente a Trump pelo governo do Catar, que foi formalmente aceito por Washington também nesta quarta-feira.
A discussão na Casa Branca teve início quando Trump apresentou ao seu convidado um vídeo, que, segundo o republicano, mostrava um "genocídio branco" no país — alegações que nas últimas semanas motivaram até a suspensão de ajuda aos sul-africanos.
Além das acusações, havia imagens do político de oposição Julius Malema cantando uma música apontada por alguns africâneres como um chamado para seu assassinato.
— Temos milhares de histórias falando sobre isso. Temos documentários, temos notícias — disse Trump, enquanto os demais presentes no escritório do presidente dos Estados Unidos observavam atônitos.
Ao final da exibição, Ramaphosa, um dos mais veteranos políticos do continente africano, parecia desconfortável, enquanto Trump apontava para imagens do que seriam cemitérios clandestinos e citava evidências de que "há muito ódio" no país. Em determinado momento, Ramaphosa perguntou se o líder americano sabia onde as imagens tinham sido feitas. O republicano disse que não.
Ramaphosa tentou colocar a conversa novamente nos trilhos, sugerindo que discussões mais ásperas fossem feitas longe das câmeras. E tentou fazer piada para quebrar o clima tenso.
— Me desculpe, não tenho um avião para te dar — disse o sul-africano, rindo.
Trump devolveu dizendo que gostaria que ele tivesse um avião para dar:
— Se o seu país oferecesse um avião à Força Aérea dos Estados Unidos, eu aceitaria.
O Departamento de Defesa americano confirmou que o governo aceitou o presente do Catar nesta quarta-feira, e informou que a Força Aérea foi solicitada a encontrar uma maneira de atualizá-lo rapidamente para que possa ser usado como um novo Air Force One para o presidente.
O avião, cujo valor estimado pelos executivos do setor é de cerca de US$ 200 milhões (R$ 1,1 bilhão), exigirá um trabalho extenso antes que possa ser considerado seguro o suficiente para transportar Trump, reconheceram as autoridades do Pentágono nos últimos dias.
'Campanha de desinformação'
O desconforto causado por Trump a Ramaphosa — aos moldes do que ocorreu durante a visita do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, à Casa Branca em fevereiro — era esperado, sobretudo por causa do histórico recente entre os dois países.
Em fevereiro, a Casa Branca suspendeu toda a ajuda à África do Sul, em resposta a uma lei adotada pelo governo local que abria caminho para a expropriação de terras privadas — sem especificar se de brancos ou não — sob alegação de "interesse público", como projetos de infraestrutura ou planos de redistribuição de terras. Apesar de sinalizar para a possibilidade de uma "compensação justa", a legislação, que foi alvo de críticas da oposição, abre caminho para a expropriação sem compensação.
Embora sejam menos de 10% da população, os brancos — em especial os africâneres, descendentes de colonos holandeses e de outras nações europeias que se fixaram na região no século XVII — controlam a maioria das terras do país, especialmente as usadas na agricultura, uma herança dos tempos do apartheid. E a possibilidade de expropriação pelo governo, embora jamais usada na prática, foi considerada pelas autoridades americanas como um "chocante desrespeito pelos seus cidadãos" equivalente a "violações dos direitos humanos".
Na ocasião, a chancelaria sul- africana disse que a postura dos EUA "não reconhecia a profunda e dolorosa história de colonialismo e apartheid da África do Sul", e chamou a iniciativa de "uma campanha de desinformação e propaganda com o objetivo de deturpar a nossa grande nação".
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— Nossa Constituição garante e protege a santidade da posse da terra, e essa Constituição protege todos os sul-africanos no que diz respeito à propriedade da terra — disse Ramaphosa a Trump, nesta quarta-feira. — Seu governo [EUA] também tem o direito de expropriar terras para uso público.
Na mesma ordem executiva de fevereiro, o governo Trump prometeu "promover o reassentamento de refugiados africâneres que escapam da discriminação racial patrocinada pelo governo, incluindo o confisco de propriedades racialmente discriminatório", citando a alegada "violência desproporcional contra proprietários de terras racialmente desfavorecidos". O primeiro grupo de beneficiados pelo asilo chegou aos EUA na semana passada.