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Christina Oiticica fala de rotina "tranquila" ao lado de Paulo Coelho na Suíça

Artista visual detalha técnica exótica que envolve enterro de pinturas e comenta comparações com o marido: 'Existe, claro, um preconceito'

Paulo Coelho e Christina Oiticica - Reprodução/Instagram

Lá pelas tantas, Christina Oiticica meneia o corpo diante da câmera e pergunta se o repórter enxerga, por meio da videochamada, a “paisagem exuberante” — jardins, árvores, montanhas — emoldurada pelas janelas atrás dela, na sala do imóvel onde mora.

"Tá vendo a natureza lá fora, né? Tudo muito pertinho. É uma loooucura" empolga-se.

Há mais ou menos 15 anos, a artista visual vive com o marido, o escritor Paulo Coelho, numa região nobre de Genebra, a capital da Suíça.

A rotina do casal é serena, quase sempre salpicada por caminhadas em parques pacatos próximos à residência — “uma maravilha”, como enfatiza Christina, ao celebrar o fato de “poder andar a pé” até a área central da cidade através de “ruas sem muito movimento”.

Os dois, no entanto, têm saído cada vez menos do lar. Tornaram-se figuras “caseiras”, quase não põem os pés nas calçadas à noite, deram uma pausa nas viagens.

E, sim, abandonaram o monumental hábito de conhecer ao menos quatro cidades por semana, tarefa que levaram a cabo, acredite, por muito tempo.

"Acho que a gente é over" ela diz. "Se você me perguntar se conheço tal cidade, digo que, sim, conheço. Corremos todos os lugares. Agora, ficamos direto aqui, mais calmos"

No tempo livre, Christina adora garimpar vídeos no YouTube — recentemente, passou a noite ao lado do marido assistindo a entrevistas antigas de Jô Soares.

Paulo, por sua vez, fortalece a “paixão” por arco e flecha, algo que pratica desde a época em que vivia com a companheira no apartamento que ambos possuem em Paris (“Tem um buraco lá na parede da sala de jantar até hoje”, ela ri).

Aliás, a carioca, de 73 anos, revela que o hobby do parceiro hoje é realizado com mais cuidado, numa área externa rodeada por uma tela, para que as flechas não atinjam o terreno da vizinha, a atriz Anouchka Delon, filha do astro francês Alain Delon (1935-2024).

Na natureza selvagem
Mas o assunto principal desta conversa não são as manias de Paulo Coelho, o autor best-seller com cerca de 320 milhões de livros vendidos em mais de 170 países — e que, nos últimos anos, tem preferido conceder um número mínimo de entrevistas.

A pauta é o novo trabalho de Christina, que cultiva igualmente uma trajetória sólida nas artes, coisa que ela precisa lembrar aos outros com certa recorrência.

"Há duas figuras fortes atrás de mim" ela reconhece, ao citar, além do marido, com quem vive há 45 anos, o primo Hélio Oiticica (1937-1980), nome central do neoconcretismo.

"Isso não representa um peso. Para mim, é até bom. Lógico que tenho que trabalhar bastante. Existe, claro, um preconceito. As pessoas acham que sou pintora só porque sou mulher do Paulo Coelho. Sabe esse tipo de coisa? E isso não é verdade. Já nasci querendo ser artista"

Com formação na antiga Escola Nacional de Belas Artes, na capital fluminense, a profissional — que já atuou como arquiteta — gosta mesmo de sujar as mãos de terra para fazer arte (“Minha lenda pessoal, como diz o Paulo, é ser artista plástica”, frisa).

Está na “natureza”, termo que Christina pronuncia 25 vezes ao longo de pouco mais de 50 minutos de bate-papo, o que ela considera como o “fundamento” da própria obra.

Desde o início dos anos 2000, a artista nutre uma técnica inusitada: enterra as próprias telas, às vezes por meses, em lugares que considera sagrados — dos parques vizinhos à sua casa, em Genebra, a florestas e áreas verdes no Japão, na Índia, no Amazonas e em Santiago de Compostela, na Espanha, para citar apenas alguns dos locais por onde já passou.

Aos desenterrar os quadros, incorpora às pinturas todas as marcas do subsolo — manchas, umidade, rasgos, raízes, bichinhos... Ela contabiliza mais de 500 sepultamentos.

"Nunca sei o que vai sair dali, dependendo de onde faço o enterro. Há sempre muita surpresa. Fico totalmente alucinada! Depois, então, começo um trabalho para interromper o processo feito pela natureza" detalha a artista.

Uma série inédita, realizada com o tal método, é exibida a partir de terça-feira (27) na mostra “Dichotomie”, que inaugura o L’Espace des Arts, sala dedicada a exposições na Fundação Paulo Coelho & Christina Oiticica, centro cultural criado em 2015, em Genebra, inicialmente com o objetivo de acolher o acervo com mais de 80 mil itens e documentos do escritor (olha ele aí de novo — não tem jeito).

Enterrar para dar à luz
Apresentado junto a uma seleção de imagens do fotógrafo Sergio Zalis (com retratos do Jardim Botânico, no Rio, e dos Bosques de Scheveningen, na Holanda), o novo trabalho foi executado em parceria com o jovem artista pataxó TxaTxu.

De início, Christina cavou um buraco em terras suíças para as telas, grande parte delas com referências a grafismos tribais, símbolos femininos e dualidades que se complementam.

Depois de resgatá-las do subsolo, despachou as pinturas para o outro lado do oceano — para que o artista indígena, morador da aldeia Porto do Boi, em Caraíva, no litoral da Bahia, inscrevesse outros traços às obras e as enterrasse sob uma gameleira, árvore de raízes fortes e aparentes cultuada pelo povo originário.

Os dois se conhecerão pessoalmente amanhã, na abertura da mostra, em Genebra.

"Existe a força do imprevisível nesse ato de enterrar e desenterrar, mas vejo muito um lado sagrado. A terra, para mim, é sagrada. Quando deixo um trabalho no solo, e não sei o que vai acontecer, pratico um desapego. Depois, se não encontrar a tela, não fico triste. É como se doasse essa arte para a natureza" discorre ela, que tem como grande influência o colega Frans Krajcberg (1921-2017) e que se aproxima, de um jeito às avessas, da chamada “land art”, movimento que, ao contrário dela, propõe intervenções na natureza.

No caso de Christina, é a “grande mãe da Terra”, como a artista sublinha, que se imiscui na arte. A propósito, foi assim que ela teve um sobressalto — eureka! — enquanto pintava um quadro de dez metros numa área próxima a uma mata na cordilheira dos Pirineus, no Sul da França, onde morou com Paulo Coelho, em 2003.

Naquele período, o casal vivia num quarto diminuto de um hotel de duas estrelas. Enquanto o escritor se virava bem com o pouco espaço (“Para ele, basta abrir o laptop e escrever”, diz Christina), a artista tinha dificuldades para desenvolver o trabalho sem sujar o recinto.

"Surgiu a ideia, por que não?", de transformar uma parte da floresta em ateliê.

"E aí eu deixava as telas lá secando e, quando voltava, via insetos e folhas caídos sobre a tinta nas imagens. Ficava desesperada. Pensava: “Perdi o meu trabalho”" relata.

"Depois, vi que aquilo era genial. E entendi, então, que todo o trabalho, dali em diante, precisaria ser feito junto à natureza"

Disfarces e "conexão espiritual"
Desde 2015, quando perdeu a mãe, Christina Oiticica não viaja ao Brasil. Sobre Paulo Coelho, não se pode falar exatamente o mesmo.

A artista visual entrega a informação de que o marido embarca, vez ou outra, rumo ao país. Mas ela não se recorda a última vez em que o fato ocorreu.

Acontece muito de o autor de títulos como “O alquimista”, “Onze minutos” e “O diário de um mago” ir e voltar à terra natal, no Rio de Janeiro, e passar completamente despercebido.

O fato é resultado de uma proeza, como confirma a esposa do escritor, que tem predileção pelo anonimato. Se dá um pulo em solo carioca, ele não faz alarde. Ao contrário.

"Ao tirar o cavanhaque, Paulo fica irreconhecível. Na primeira vez que o vi assim, levei um susto. Ele raspou tudo, e eu falei: “Hããn!”" lembra Christina, habituada a ser abordada por admiradores do marido em parte das caminhadas que realiza com ele, ao redor do Lago Léman, um dos cartões-postais de Genebra.

"É uma loucura. Tem gente que fica assim: “Óóóó, seu livro é a inspiração da minha vida.” Mas é tudo tranquilo, com respeito. E esta é uma cidade de estrangeiros, né? Então, tem muita gente da África e de outros países europeus"

Apesar de conviverem com uma saudade constante do país (“Só faço comida brasileira dentro de casa”, diz Christina), o escritor e a artista plástica se sentem “totalmente adaptados” na gringa. Por lá, a maior parte dos amigos, porém, é formada por... brasileiros.

"Sou muito fácil de me adaptar, desde que não seja logicamente um lugar horrível, né?" graceja Christina.

O relacionamento de mais de quatro décadas — iniciado numa época em que Paulo não havia publicado livros — é fruto, na visão da artista plástica, de uma “conexão espiritual”.

Não à toa, o casal compartilha crenças em misticismos e “forças sobrenaturais ocultas”.

Há coincidências entre os dois que talvez não se expliquem de maneira racional, como sugere Christina.

Exemplo: enquanto ela desenvolvia o atual trabalho, junto ao artista indígena Txa Txu, Paulo Coelho criava o libreto da ópera “I-Juca Pirama”, baseada no poema indianista de Gonçalves Dias, com música de Gilberto Gil e Aldo Brizzi, em montagem que estreará no Theatro da Paz, em Belém, durante a COP30, em novembro.

"Sempre tem um diálogo entre os nossos trabalhos" indica ela, lembrando que a aliança “usada” pelos dois não é um anel e, sim, uma tatuagem de borboleta inscrita na pele de ambos.

"A gente trabalha lado a lado. É tudo muito junto, né? Nossa conexão é espiritual, muito forte. Sei o que ele pensa, e ele sempre sabe o que eu penso"