Erro em parto: quando o previsível se torna inadmissível
Mais de 700 mulheres morrem por dia no mundo por complicações na gravidez ou no parto. Em 2023, foram cerca de 260 mil mortes evitáveis, segundo a OPAS/OMS. No Brasil, a Razão de Morte Materna (RMM) de 2021 foi de 107,53 óbitos por 100 mil nascidos vivos.
São vidas interrompidas quando deveriam ser celebradas: no nascimento de um filho.
Casos como os de Tati Machado e Micheli Machado, que perderam seus bebês ainda no útero, evidenciam falhas na assistência pré-natal e obstétrica no país.
Entre os erros mais comuns estão: demora no atendimento, avaliação incorreta do momento do parto, uso indevido de instrumentos, falhas na monitorização, atraso em cesarianas urgentes e práticas abusivas - físicas ou psicológicas - que configuram violência obstétrica.
Também há episiotomias sem indicação clínica, inclusive em hospitais privados e com planos de saúde, revelando condutas abusivas até em ambientes tidos como seguros.
Não se trata de fatalidades imprevisíveis. Com o conhecimento médico atual, morrer ou sofrer sequelas no parto é inaceitável.
O parto é um dos procedimentos mais antigos da medicina, mas ainda é marcado por falhas graves. O tema é urgente.
O Judiciário tem reconhecido a responsabilidade civil de hospitais e profissionais. O hospital responde objetivamente - ou seja, independentemente de culpa - conforme o art. 37, §6º da Constituição e o art. 14 do CDC.
Já o médico só é responsabilizado com prova de culpa (negligência, imprudência ou imperícia) e do nexo entre conduta e dano, como prevê o art. 927 do Código Civil.
Apesar da dificuldade probatória, a padronização das decisões tem trazido mais previsibilidade.
Os danos reconhecidos vão além dos materiais: também há reparação por danos morais. Em casos de morte da mãe ou do bebê, o art. 948 do Código Civil pode embasar pensão aos familiares.
O Judiciário, porém, tem limites. Sanções mais severas dependem do Legislativo. Não cabe ao juiz criar penas ou ampliar normas.
Mais do que punir, é preciso prevenir. O Estado deve fiscalizar melhor a formação dos profissionais, especialmente na linha de frente obstétrica.
O parto exige preparo técnico, equilíbrio emocional e protocolos claros. Falhar nisso é falhar na base da saúde. Também é urgente revisar a gestão hospitalar: protocolos devem ser testados e fiscalizados. Não é admissível que partos virem tragédias por má gestão.
A reparação judicial ainda reflete desigualdades sociais. Indenizações variam conforme a condição financeira da vítima, mostrando tratamento desigual ao sofrimento.
O parto não é novidade para a medicina. Não há justificativa para erros grosseiros ou negligências fatais.
Garantir um parto seguro é obrigação legal e moral com cada mulher e cada vida que chega ao mundo.