DEPOIMENTO

Servidor disse à PF que atual chefe da Abin defendeu "intervenção" na corregedoria

Depoimento consta em inquérito que apura a atuação de uma estrutura paralela na agência. Luiz Fernando Corrêa foi indiciado pela PF

Abin - Antonio Cruz/Agência Brasil

Indiciado pela Polícia Federal no âmbito do inquérito que apura a atuação de uma estrutura paralela na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), o diretor-geral Luiz Fernando Corrêa já defendeu uma “intervenção” na corregedoria durante a investigação, segundo um servidor.

O depoimento do agente da Abin consta no inquérito que investigou o uso da agência para espionar adversários do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Segundo o servidor, a reclamação de Corrêa ocorreu enquanto ele e um integrante da corregedoria estavam “ajudando” a PF, como mostrou O Globo em abril. Procurada na época, a Abin não se manifestou.

O depoimento ocorreu no dia 26 de janeiro do ano passado, um dia depois de a PF ter realizado uma operação para investigar as suspeitas com busca e apreensão na sede da Abin. Corrêa foi intimado a depor no inquérito, o que deve ocorrer na quinta-feira. Uma das suspeitas é de obstrução ao andamento das investigações. O delegado da PF Alessandro Moretti, ex-diretor adjunto da agência, também foi intimado a prestar esclarecimentos.

À PF, o servidor relatou que havia participado de uma reunião com Côrrea e outros integrantes da Abin no dia anterior, quando foi questionado se havia visto os mandados expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Ele respondeu que não, mas que o delegado à frente da operação tinha informado o teor.

"Na reunião, Luiz Fernando (Corrêa) falou em tom de desgosto; que Luiz Fernando falou num tom agressivo; que Luiz Fernando falou que deveria fazer uma intervenção na corregedoria; que naquele momento a corregedoria estava colaborando com a diligência de busca e apreensão; que o depoente e (outro servidor) da corregedoria estavam ajudando a Polícia Federal", disse o servidor em depoimento à PF.

O servidor da agência relatou que o encontro havia sido convocado para debater a necessidade da publicação de uma nota com o posicionamento da agência sobre a operação. Segundo ele, houve o entendimento de que "a nota seria no sentido de que a Abin estaria na busca da verdade”. No dia 25 de janeiro, data da operação, a agência de fato divulgou um texto dizendo que era a maior interessada na investigação.

No depoimento, o agente da Abin também contou que já presenciou Corrêa reclamando que não tinha acesso aos dados da corregedoria, mas não sabia que informações eram essas.

"Que Luiz Fernando reclamou no sentido de que a CGU (Controladoria-Geral da União) estava outra vez requerendo dados da Abin", contou.

Em janeiro do ano passado, a colunista Bela Megale publicou que integrantes da atual gestão da Abin dificultaram o acesso da Polícia Federal a dados considerados essenciais para o avanço das investigações que envolvem o órgão. Segundo o texto, durante a realização das buscas na sede da Abin no dia 25 de janeiro, integrantes da equipe do diretor Luiz Fernando Corrêa dificultaram que a PF tivesse acesso ao Centro de Inteligência Nacional.

Nomes de confiança de Corrêa, Moretti e o ex-número 3 da Abin Paulo Maurício Fortunato foram alvos da operação da PF e estavam na mira da corregedoria. Em uma operação em outubro de 2023, Paulo Maurício teve U$ 171,8 mil apreendidos em sua casa.

Ao Globo, na época, ele afirmou que o dinheiro era fruto de uma "poupança" que faz para quando se aposentar, negou irregularidade e disse que ia colaborar com as investigações.

Já Moretti, quando foi demitido, divulgou uma nota dizendo que compartilhou com a PF toda a documentação coletada e produzida pelo órgão relacionada ao caso do programa espião FirstMile, cujo uso foi revelado pelo GLOBO e deu início à investigação policial.

Ele também afirmou que, como diretor-geral em exercício, "iniciou os trabalhos de apuração interna relacionados ao uso de ferramenta, com a instauração de sindicância investigativa pela corregedoria-geral".

"Ações que interferiram"
Na decisão que autorizou a operação de janeiro do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes destacou alguns trechos do pedido na PF, no qual os investigadores apontaram que "a direção atual da Abin realizou ações que interferiram no bom andamento da investigação sem, contudo, ter sido possível identificar o intento das ações".

O relatório da PF diz ainda que medidas da atual gestão da Abin "se mostram prejudiciais à presente investigação". O documento frisou que "a revolta dos investigados com a progressão da investigação" resultou em ações como "construir uma estratégia em conjunto" e um "acordo para cuidar da parte interna".

Na época, a operação com a divulgação dessas informações gerou o desgaste do então número 2 da agência, o delegado federal Alessandro Moretti, que foi demitido ainda em janeiro de 2024.

Na decisão de Moraes, o ministro citou um trecho da apuração da PF, que informou que em reunião com investigados, em março de 2023, Moretti deu declarações no sentido de dizer que a investigação teria "fundo político e iria passar".

A PF ressaltou que as declarações foram dadas aos investigados na presença de Corrêa, que na época ainda não havia sido nomeado ao cargo de diretor da Abin.