Tribunal de Apelações analisa se Trump pode usar a Guarda Nacional para reprimir protestos
Na semana passada, um juiz de primeira instância barrou a mobilização das tropas pela Casa Branca; caso pode ir à Suprema Corte e definir limites sobre uso das Forças Armadas no policiamento interno
Um tribunal federal de apelações ouvirá nesta terça-feira os argumentos para decidir se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode continuar usando a Guarda Nacional da Califórnia para conter manifestantes em Los Angeles, contrariando a vontade do governador Gavin Newsom.
A audiência será conduzida por um colegiado de três juízes da Corte de Apelações do Nono Circuito, em um momento em que organizadores locais prometem manter os protestos contra as ações do Serviço de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês) — embora as manifestações no centro de Los Angeles tenham diminuído desde o fim de semana.
Na semana passada, o juiz distrital Charles Breyer decidiu que o uso da Guarda Nacional por Trump era ilegal e ordenou temporariamente que o presidente devolvesse o controle das tropas ao governador Newsom.
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Mas o governo Trump recorreu imediatamente da decisão, e o colegiado do Nono Circuito suspendeu a ordem do presidente enquanto avalia o caso. O colegiado é formado por dois juízes indicados por Trump e um pelo ex-presidente Joe Biden.
A decisão final poderá caber à Suprema Corte e definir se um presidente pode ignorar os governadores e mobilizar a Guarda Nacional à revelia da sua vontade, com base na lei invocada por Trump. O desfecho pode ter implicações importantes sobre os limites do uso das Forças Armadas dentro do território nacional.
Nesta terça-feira, os juízes avaliarão uma questão específica, porém decisiva: se Trump pode continuar controlando as tropas enquanto o processo judicial prossegue.
Os protestos começaram no início do mês após o ICE realizar uma série de batidas em locais de trabalho em Los Angeles, como parte da dura política migratória do governo Trump. Líderes democratas e ativistas criticaram a operação, acusando o ICE de realizar ações indiscriminadas em bairros latinos em vez de se concentrar em pessoas com antecedentes criminais graves.
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Diante da reação, Trump invocou uma lei raramente usada para assumir o controle federal da Guarda Nacional, sob a justificativa de proteger agentes e instalações federais contra os manifestantes.
O governador Newsom se opôs, classificando a medida como inflamatória e desnecessária, alegando que as forças locais estavam aptas a lidar com os excessos de uma minoria violenta entre os manifestantes. A maioria dos protestos foi pacífica, mas houve episódios de vandalismo, lançamento de objetos contra os agentes e incêndios de carros.
Na segunda-feira, o centro de Los Angeles já mostrava sinais de normalidade, dois dias após o protesto “Sem Reis” reunir dezenas de milhares de pessoas contra a política migratória do governo Trump. Marcas da semana de manifestações ainda eram visíveis: pichações contra o ICE e cartazes anti-Trump seguiam espalhados pelas ruas.
Em Little Tokyo, área duramente atingida por atos de vandalismo, muitas lojas ainda estavam protegidas por tapumes. Mesmo assim, turistas japoneses com camisetas de Shohei Ohtani circulavam tirando fotos em frente a um mural do jogador, que faria sua estreia como arremessador dos Dodgers naquela noite.
A prefeita de Los Angeles, Karen Bass, anunciou na segunda-feira que o toque de recolher no centro da cidade seria flexibilizado, começando às 22h em vez das 20h, mas ainda valendo até as 6h da manhã.
“O toque de recolher, junto com as ações de prevenção ao crime, têm sido eficazes na proteção de lojas, restaurantes e residências contra indivíduos mal-intencionados que não se importam com a comunidade imigrante”, disse Bass em nota.
A cidade parecia respirar aliviada. Já não havia forte presença policial em frente à prefeitura. Muitos dos pontos onde tropas federais estavam estacionadas na semana anterior não estavam mais sob vigilância.
Uma exceção era o centro ambulatorial do Departamento de Assuntos de Veteranos, a leste da prefeitura. Uma dúzia de fuzileiros navais armados estava posicionada ali. Na semana anterior, a presença da Guarda Nacional nesse mesmo ponto atraiu centenas de manifestantes. Agora havia apenas quatro ou cinco. Uma mulher vestida com trajes astecas queimava incenso e soprava um chifre cerimonial em sinal de resistência.
Foi a primeira vez desde 1963 que o governo federal mobilizou tropas em um estado contra a vontade expressa de seu governador — na época, o presidente John F. Kennedy federalizou a Guarda Nacional do Alabama para impor a dessegregação na Universidade do Alabama, desafiando o governador George Wallace. Em 1965, o presidente Lyndon Johnson também federalizou a Guarda para proteger marchas pelos direitos civis, mas Wallace não se opôs formalmente.
Diferente de Kennedy, que usou a Lei de Insurreição, Trump invocou outra legislação, ainda mais obscura, que permite ao presidente assumir o controle da Guarda Nacional sob certas condições — como rebelião contra a autoridade federal ou incapacidade do governo de aplicar a lei. A norma, porém, exige que a ordem passe pelos governadores.
O juiz Breyer concluiu que a situação em Los Angeles não caracterizava uma rebelião e que os agentes do ICE conseguiam realizar suas funções, mesmo com protestos.
“Embora o ICE não tenha conseguido deter tantas pessoas quanto os réus acreditam que poderia, a agência ainda conseguiu aplicar as leis de imigração federais”, escreveu o juiz.
Breyer também afirmou que o governo não seguiu os trâmites legais exigidos. Ao cumprir a ordem de Trump, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, enviou a ordem diretamente ao general responsável pela Guarda Nacional da Califórnia, ignorando o governador Newsom.
A defesa de Trump sustenta que cabe ao presidente decidir se as condições legais foram atendidas e que os tribunais não podem revisar essa decisão. Também argumenta que Hegseth cumpriu o procedimento, já que o general age em nome do governador no comando da Guarda.
Trump e Hegseth mobilizaram cerca de 700 fuzileiros navais para apoiar as ações de imigração. O estado pediu que o juiz limitasse sua atuação à proteção de prédios federais e os proibisse de acompanhar agentes do ICE em batidas, citando uma lei do século 19 que proíbe o uso das Forças Armadas em tarefas de segurança interna sem invocação da Lei de Insurreição.
No entanto, como os militares ainda não haviam sido mobilizados no momento da audiência, o juiz considerou prematuro emitir essa ordem. Desde então, os fuzileiros foram enviados a Los Angeles e chegaram a deter um homem que tentava entrar em um prédio federal. Depois descobriu-se que ele apenas tentava ir a uma consulta no Departamento de Veteranos.
“A presença de militares armados, treinados para combater inimigos externos, em solo doméstico, aumentou o clima de medo e tensão em Los Angeles”, argumentaram autoridades locais em carta à corte apoiando o pedido de Newsom por uma liminar.
Representantes de dezenas de outras cidades assinaram documentos semelhantes, alegando que as polícias locais têm protocolos consolidados para lidar com distúrbios e que a presença de tropas não integradas a essas operações aumenta os riscos tanto para os agentes quanto para a população.