CINEMA

Diretor de "Como treinar o seu dragão" justifica live-action mesmo após críticas a remakes

Produção, que custou cerca de R$ 821 milhões, é uma nova versão da animação homônima da DreamWorks, lançada em 2010

Cena do live-action de 'Como treinar o seu dragão' - Divulgação

Em 2020, o diretor Dean Deblois disse, publicamente, que fazer live-action de animações poderia ser classificado como um "esforço preguiçoso" dos grandes estúdios. Ao lado de Chris Sanders, ele foi responsável por "Lilo & Stitch" (2002), da Disney, e "Como treinar o seu dragão" (2010), da DreamWorks, e na época afirmou ainda que remakes eram "uma oportunidade perdida de colocar algo original no mundo".

Dois anos se passaram e DeBlois recebeu um telefonema do presidente da Universal Pictures, Peter Cramer, perguntando se ele estaria interessado em dirigir uma versão live-action de "Como treinar o seu dragão".

— À custa de parecer um hipócrita, eu pensei: "bem, eu vou ficar sentado e assistir alguém fazer isso ou vou encarar e assumir a culpa, além de achar uma forma de mudar a narrativa?" — ponderou, em entrevista ao "The New York Times".

Agora, após o lançamento do filme na última quinta-feira, o diretor admite estar entusiasmado com o tipo de produção que ele havia criticado anteriormente.

Muitas coisas poderiam ter dado errado: DeBlois nunca tinha feito um filme do estilo live-action antes da Universal colocá-lo no comando do remake de US$ 150 milhões (aproximadamente R$ 821 milhões) e o gênero como um todo tem enfrentado um crescente ceticismo do público e dos estúdios (a Disney supostamente colocou o seu remake de "Enrolados" em espera por tempo indeterminado após os retornos da bilheteria de "Branca de Neve", lançado em março).

Apesar dos desafios, os executivos da Universal ficaram extremamente satisfeitos depois de ver um corte do novo "Dragão", disse Cramer, e começaram a apressá-lo para iniciar a adaptação do segundo filme da franquia, "Como treinar o seu dragão 2", que também será dirigido e escrito por ele, e lançado nos cinemas em 2027.

 

— A execução de Dean, para nós, foi excepcional, e isso é realmente o que nos dá a confiança para continuar — afirmou o presidente da Universal Pictures.

"Como treinar o seu dragão" conta a história de um adolescente viking chamado Soluço que, desafiando as regras, faz amizade com um temido dragão, o Banguela. Executivos contam que escolheram esta obra ao invés de "Shrek" ou "Meu malvado favorito" por causa do "drama humano e da criatura no centro dela".

Entenda o sucesso do filme
Quando DeBlois trabalhou no desenho animado original manteve em mente o conselho dado pelo chefe da DreamWorks na época, Jeffrey Katzenberg, que o lembrava de não se esquecer das crianças de cinco anos, responsáveis por lotar as salas de cinema.

Desta vez, no entanto, foi diferente. A Universal, cuja empresa-mãe adquiriu a DreamWorks Animation, em 2016, estava determinada que o novo filme não fosse destinado apenas aos jovens espectadores, mas também aos adultos que cresceram com o original e àqueles que nunca ouviram falar dele antes.

— Eles estavam dizendo: "abrace o fato de que este é um filme para todo os públicos. Queremos adolescentes, mas também queremos pessoas em seus 20 e tantos anos" — relembrou Deblois, que afirmou ter sido encorajado a pensar grande.

Assim, enquanto ainda se esforçavam para obter uma classificação PG (ou seja, quando os pais são incentivados a dar orientações sobre o conteúdo presente na obra), a equipe construiu cenários em grande escala no Titanic Studios, em Belfast, incluindo uma arena de treinamento Viking de 360 graus, para filmar sequências de ação imersivas.

O compositor John Powell foi contratado para tornar a trilha sonora do novo filme ainda mais épica. Para criar imagens aéreas e sequências de voo estilo montanha-russa, os cineastas usaram um helicóptero sobre a Islândia, a Ilha de Skye e as Ilhas Faroé com o qual capturaram filmagens extensas, incluindo da pequena Ilha de Tindhólmur, que serviu como base para sua Berk (cidade fictícia em que a história é ambientada).

Caracterização dos Vikings
Para personificar o carinhoso e desajeitado Soluço (originalmente dublado por Jay Baruchel), os cineastas escolheram Mason Thames, um nativo do Texas que estrelou o filme de terror "O telefone preto" (2021). Para Astrid, uma ambiciosa viking e o interesse amoroso de Soluço, eles selecionaram a atriz britânica Nico Parker, que estreou no remake live-action da Disney "Dumbo" (2019).

Tanto Thames quanto Parker cresceram como fãs apaixonados da trilogia animada "Dragão". Thames afirmou que, uma vez, se vestiu como Soluço para o Halloween. Já Parker, que é filha da atriz Thandiwe Newton e do diretor Ol Parker, lembrou-se de ir ver o original nos cinemas quatro vezes, acompanhada de sua família.

Em uma ação inusitada, a Universal ainda trouxe de volta Gerard Butler, que originalmente dublou o pai de Soluço, Stoico, para retomar ao seu papel como o chefe imponente de Berk. O trabalho de Butler no original envolveu somente dizer suas falas em uma cabine de gravação. Desta vez, no entanto, ele passou horas todos os dias recebendo uma barba, na altura do peito, aplicada antes de vestir suas armaduras feitas em impressoras 3D e segurar as armas auxiliares.

— Eram incrivelmente pesadas — relembra o escocês de 55 anos sobre as peças utilizadas por seu personagem. —A primeira vez que eu as coloquei, entrei em pânico e pensei que esse filme seria um fracasso porque Gerry Butler não poderia lidar com o traje de 40 quilos.

Libertando os dragões
Antes de Thames chegar ao set em Belfast, ele se preocupou com a possibilidade de que Banguela fosse feito de telas azuis e bolas de tênis. Em vez disso, os atores precisaram atuar frente a frente com cabeças de dragões gigantes, feitas de espuma, e corpos de fantoches operacionais.

Para ajudar a transformar digitalmente os dragões em criaturas ameaçadoras, DeBlois recorreu ao supervisor de animação Glen McIntosh, um especialista em paleontologia e que tinha dinossauros animados nas franquias "Jurassic Park" e "Jurassic World".

— Dean queria que os dragões tivessem a sensação de serem animais evoluídos, não criaturas da fantasia — disse McIntosh. — Então, mesmo sendo criaturas de fantasia, elas tinham que parecer não ter sido simplesmente encaixadas.

Cada raça de dragão é, portanto, baseada em características específicas da vida animal. Um Nadder Mortal como o Stormfly, por exemplo, é influenciado pelos braços alados de um morcego, a cabeça de um papagaio e as pernas e garras de uma águia dourada.

E então há Banguela. Ao contrário da temível menagerie que o rodeia, Banguela (uma Fúria da Noite, com traços de pantera negra e salamandra) precisava manter uma camada extra de fofura e realismo, enquanto ainda parecia pertencer ao mesmo mundo dos outros.

Os animadores passaram dois anos e meio atualizando sua criatura-herói. Para Banguela, expressões mais caricaturais, como sobrancelhas levantadas, foram trocadas por inclinações de cabeça ou rabos que imitam as de um cão ou gato curioso. Como eles adicionaram complexidades como escalas texturizadas, McIntosh disse, seu princípio orientador sempre foi questionar se aquele dragão seria um animal que as pessoas gostariam de acariciar.

De olho no futuro
DeBlois tinha considerado abrir o filme com um novo flashback do ponto de vista de Stoico, pai de Soluço, mas, em última análise, o corte final segue fielmente os passos da animação, incluindo três cenas quase idênticas.

Ainda assim, há algumas surpresas sutis, como quando Astrid expressa a seu o desejo de ser chefe de Berk um dia, algo que nunca foi expresso na versão animada. É uma linha que deixa em aberto a possibilidade de futuros desvios.

— Há uma oportunidade de ir para a frente, talvez colorir fora das linhas um pouco mais — concluiu DeBlois.