Política

Lula decide manter chefe da Abin mesmo após indiciamento pela PF

De acordo com auxiliares do presidente, andamento do processo envolvendo chefe da agência será acompanhado pelo Palácio do Planalto a partir de agora

Luiz Fernando Corrêa - Lula Marques/Agência Brasil

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu manter o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Luiz Fernando Côrrea, no cargo mesmo após seu indiciamento pela Polícia Federal.

De acordo com auxiliares, Lula avaliou que apenas o indiciamento de Côrrea não era motivo suficiente para substituí-lo. Segundo esses interlocutores, o andamento do processo será acompanhado pelo Palácio do Planalto a partir de agora.

A investigação da Polícia Federal apontou que Côrrea e integrantes da sua gestão colocaram obstáculos ao avanço das investigações do caso Abin Paralela.

Lula tratou sobre a permanência de Côrrea na chefia da Abin na tarde desta quarta-feira ao receber o ministro da Casa Civil, Rui Costa no Palácio da Alvorada.

Antes disso, Rui Costa já havia conversado por telefone Luiz Fernando Côrrea. Na ligação, segundo interlocutores de ambos, Rui Costa passou uma mensagem tranquilizadora a Côrrea sobre seu futuro no governo, embora ambos não tenham tratado diretamente sobre a permanência dele no cargo.

Antes mesmo da chancela de Lula, no Palácio do Planalto, a avaliação predominante já era de que não havia ambiente para troca no comando da agência neste momento.

Também pontuam que Lula costuma aguardar a denúncia na Procuradoria-Geral da República para afastar auxiliares diretos, como fez com o ex-ministro das Comunicações, Juscelino Filho, no caso envolvendo suspeita de desvio de emendas parlamentares.

Auxiliares de Lula afirmam que o presidente vê uma guerra corporativista tanto da PF quanto da Abin em relação ao caso. No entorno de Lula, a situação também é vista como mais uma disputa de narrativas entre as duas instituições. Nesse cenário, pontuam, Lula costuma ponderar as informações que são divulgadas.

Côrrea é homem de confiança de Lula e tem uma relação histórica com o presidente. No primeiro governo do petista (2003-2006), o atual chefe da Abin, que é delegado da PF, implantou e comandou a Força Nacional de Segurança. No segundo mandato (2007-2010), foi diretor-geral da Polícia Federal.

Ao escolher Corrêa para comandar a Abin no começo do governo, Lula deu carta branca para ele reformular o órgão e solicitou que a mudança tornasse o fluxo de informações de inteligência mais ágil.

A ideia era que a estrutura que se reportasse diretamente ao gabinete presidencial, sem passar por filtro em ministérios.

O pano de fundo político do desgaste da Abin também tem entre seus elementos a disputa de protagonismo entre Côrrea e o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, junto ao círculo mais próximo que repassa informações estratégicas para Lula.

Chefes de duas das instituições mais sensíveis do governo, Côrrea e Rodrigues não são próximos e nem possuem interlocução. Durante a transição do governo, Rodrigues integrou grupo de inteligência que defendia que servidores de carreira da Abin deviam ocupar o comando da agência. Já Côrrea é delegado de carreira da Polícia Federal.

Enquanto Côrrea é mais próximo a Rui Costa, Andrei Rodrigues é aliado do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski e da primeira-dama Janja da Silva.

A relação entre Côrrea e Rodrigues passou a ficar mais desgastadas com o avanço das investigações da chamada Abin paralela, que teve primeira operação em outubro de 2023.

No curso da apuração, a PF fez busca e apreensão na sede da Abin. Na conclusão da investigação, a PF indiciou o atual diretor da agência e integrantes da sua gestão por entender que eles colocaram obstáculos ao avanço das investigações.

A apuração teve início após o GLOBO revelar, em março de 2023, a compra de um sistema espião pela agência para monitorar a localização de alvos pré-determinados em todo o país. A estrutura montada no órgão de inteligência ficou conhecida como "Abin paralela".

As investigações apontam que a Abin atuou de forma irregular durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro ao utilizar, sem controle institucional, o sistema de monitoramento conhecido como FirstMile.

A ferramenta explorava brechas nas redes de telefonia celular para rastrear a localização de alvos pré-determinados, sem autorização judicial nem aval da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

As apurações indicam que esse tipo de espionagem violava normas legais, operava à margem da legislação vigente e não tinha qualquer vínculo com ameaças à segurança nacional.

 

Isso porque o programa secreto era utilizado, em geral, para vigiar desafetos do governo Bolsonaro, explorando lacunas na regulamentação.

Além do uso indevido do sistema, os investigadores destacam que os monitoramentos eram realizados sem qualquer plano estruturado, o que inviabiliza a rastreabilidade das ações e compromete os princípios da legalidade e do controle institucional.

A Abin, cuja função é atuar em defesa do Estado, teria sido instrumentalizada para fins privados e políticos, guiada por interesses pessoais do ex-presidente e seus aliados — em desacordo com sua missão legal —, segundo a investigação.

A partir desse caso, os investigadores descobriram ações supostamente clandestinas da Abin contra o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes, Luiz Fux e Dias Toffoli; o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o ex-chefe da Casa Rodrigo Maia; e o ex-governador de São Paulo João Doria, que foi pré-candidato à Presidência.

Responsável por determinar a abertura do inquérito sobre a Abin Paralela quando era ministro da Justiça no governo Lula, o atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino foi alvo da atual gestão da Agência Brasileira de Inteligência em uma tentativa de embaraçar as investigações, segundo mensagens interceptadas pela Polícia Federal.

Dino deixou o Ministério da Justiça no fim de 2023, após ser indicado e aprovado para uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).

No relatório encaminhado ao STF, a PF destaca um diálogo ocorrido em outubro de 2023 entre dois integrantes da cúpula da Abin: Alessandro Moretti, então diretor-adjunto da agência, e Marcelo Furtado, que ocupava o cargo de diretor do Departamento de Operações.

Na conversa, Furtado encaminha dados de um contrato de aquisição de uma ferramenta de inteligência pelo governo do Maranhão em 2017, período em que Dino era governador.

Segundo a Polícia Federal, a estrutura paralela produziu dossiês de forma ilegal e atuou para disseminar notícias falsas sobre integrantes da cúpula do Judiciário e do Legislativo, além de um ex-presidenciável, servidores públicos e jornalistas. A organização era dividida em setores. Os núcleos “Presidência” e “vetor de propagação” eram municiados pelo grupo “estrutura paralela”.

Após consultas em ferramentas da Abin, como o program FirstMile, eles repassavam dossiês e informações a serem disseminados por outros integrantes.