TEATRO

O grande teatro de Francisco Cuoco revelou a versatilidade e o carisma do ator

Ator, que eletrizou multidões com os diversos personagens que interpretou na televisão, vivenciou a intensidade dos palcos antes das novelas

No início da carreira, Francisco Cuoco vivenciou a intensidade do programa Grande Teatro - TV Globo/Divulgação

Francisco Cuoco, que morreu na quinta-feira (19) aos 91 anos, eletrizou multidões com os diversos personagens que interpretou na televisão, muitos deles imortalizados no imaginário popular.

Após passagens pela TV Rio – onde participou de ''A morta sem espelho'', de Nelson Rodrigues –, Record – em novelas como ''Marcados pelo amor'' e ''Banzo'', ambas de Walther Negrão e Roberto Freire – e Excelsior – em ''Redenção'', de Raymundo López, e ''Sangue do meu sangue'', de Vicente Sesso –, Cuoco deu início à sua longeva trajetória na TV Globo em ''Assim na terra como no céu'', de Dias Gomes.

Enfileirou sucessos, parte considerável em tramas assinadas por Janete Clair: ''Selva de pedra'', ''O semideus'', ''Pecado capital'', ''Duas vidas'', ''O astro'', ''Sétimo sentido'', ''Eu prometo'' (essa última, concluída por Gloria Perez). Também sobressaiu em novelas de Bráulio Pedroso (''O cafona''), Aguinaldo Silva (''O outro'') e Silvio de Abreu (''Deus nos acuda'').

Mas o percurso artístico de Cuoco não começou com a projeção pública na televisão. Nesse mesmo veículo, vivenciou, antes das novelas, a intensidade do Grande Teatro, programa que consistia na apresentação de peças e adaptações literárias e cinematográficas. O teatro, na verdade, teve lugar de destaque desde cedo. Cuoco entrou na Escola de Arte Dramática (EAD), fundada por Alfredo Mesquita, e, nas décadas de 1950 e 1960, acumulou experiência na prática do palco.

No Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), companhia criada pelo industrial italiano Franco Zampari, trabalhou nas montagens de ''A muito curiosa história da virtuosa matrona de Éfeso'', de Guilherme Figueiredo, ''Um panorama visto da ponte'', de Arthur Miller, e ''Pedreira das almas'', de Jorge Andrade, três encenações dirigidas por Alberto D’Aversa, em 1958. O TBC já não atravessava tempos gloriosos. Cuoco, porém, seguiu adiante em promissora carreira teatral.

Tanto que, na sequência, ingressou no Teatro dos Sete, companhia que tinha, no núcleo, o diretor Gianni Ratto, a atriz Fernanda Montenegro, o ator e diretor Fernando Torres, os atores Ítalo Rossi e Sergio Britto, além de Luciana Petrucelli e Alfredo Souto de Almeida.

No grupo, Cuoco marcou presença em ''Cristo proclamado'', peça de Francisco Pereira da Silva, voltada para exposição de contundente realidade brasileira, que não sensibilizou o público acostumado aos glamourosos espetáculos do Teatro Copacabana; ''Com a pulga atrás da orelha'', comédia de Georges Feydeau que alcançou repercussão extremamente calorosa; ''Beijo no asfalto'', texto de Nelson Rodrigues que, escrito para a companhia a pedido de Fernanda Montenegro, causou furor na plateia, impacto prejudicado pela renúncia do presidente Jânio Quadros; ''Festival de comédia'', junção de textos de Molière, Miguel de Cervantes e Martins Pena em montagem elogiada; e ''O homem, a besta e a virtude'', peça farsesca de Luigi Pirandello.

Depois do Teatro dos Sete, Cuoco integrou espetáculos da Cia. Nydia Lícia, como ''Boeing-boeing'', comédia de Marc Camoletti montada por Adolfo Celi (o texto foi referência central de uma novela que Cuoco viria a fazer, ''Cuca legal'', de Marcos Rey), e ''Hedda Gabler'', uma das principais peças de Henrik Ibsen, levada ao palco por Walmor Chagas. Na primeira metade dos anos 1980, Cuoco fez substituição no elenco de outra encenação dessa peça de Ibsen – a dirigida por Gilles Gwizdek e protagonizada por Dina Sfat.

Nas últimas décadas do século XX, Cuoco priorizou a televisão, mas nunca perdeu o teatro completamente de vista. Basta dizer que no passado mais recente atuou em espetáculos diversificados. Transitou por registros distintos de humor em “Circuncisão em Nova York”, de João Bethencourt, ''Deus é química'', de Fernanda Torres, ''Três homens baixos'', de Rodrigo Murat, e ''Uma vida no teatro'', de David Mamet – montagens conduzidas, respectivamente, por Ricardo Kosovski/Cristina Bethencourt, Hamilton Vaz Pereira, Jonas Bloch e Alexandre Reinecke.

E mergulhou na tragédia em ''Electra'', de Sófocles, em encenação a cargo de João Fonseca. Menos assíduo no cinema, Cuoco dominou a tela em filmes ligados ao universo de Nelson Rodrigues – ''Gêmeas'', de Andrucha Waddington, e ''Traição'', dividido em episódios dirigidos por Arthur Fontes, Claudio Torres e José Henrique Fonseca. A revisita a essa extensa jornada profissional confirma o talento, a versatilidade e o carisma de Francisco Cuoco.