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Diabetes tipo 1: pacientes graves são curados com injeção única em teste de novo medicamento

Maioria de um pequeno grupo de pacientes que recebeu uma infusão baseada em células-tronco não precisou mais de insulina

Injeção - Polina Tankilevitch / Pexels

Uma única infusão de um tratamento baseado em células-tronco pode ter curado 10 de 12 pessoas com a forma mais grave de diabetes tipo 1. Um ano depois, esses 10 pacientes não precisam mais de insulina. Os outros dois necessitam de doses muito menores.

O tratamento experimental, chamado zimislecel e desenvolvido pela Vertex Pharmaceuticals, de Boston, envolve células-tronco que os cientistas induziram a se transformar em células de ilhotas pancreáticas, as responsáveis por produzir insulina e regular os níveis de glicose no sangue. As novas células foram infundidas e chegaram ao pâncreas, onde se estabeleceram.

O estudo foi apresentado na noite de sexta-feira no congresso anual da Associação Americana de Diabetes e publicado na revista científica The New England Journal of Medicine.

— É um trabalho pioneiro — diz Mark Anderson, professor e diretor do centro de diabetes da Universidade da Califórnia, em São Francisco, nos Estados Unidos. — Ficar livre da insulina muda a vida — acrescentou Anderson, que não participou do estudo.

Assim como outras empresas farmacêuticas, a Vertex se recusou a divulgar o custo do tratamento antes da aprovação pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora americana.

Um porta-voz da Vertex afirmou que a empresa só tem dados da população estudada, portanto ainda não é possível afirmar se o medicamento ajudaria outras pessoas com diabetes tipo 1.

O diabetes tipo 1 responde por cerca de 10% do casos e é causado quando o sistema imunológico destrói as células das ilhotas pancreáticas. Um subconjunto dessas células, as células beta, produz insulina. Sem insulina, a glicose não consegue entrar nas células. Pacientes com tipo 1 precisam injetar doses cuidadosamente calibradas do hormônio para substituir a insulina que seus corpos não produzem.

É diferente do tipo mais comum, o tipo 2, que geralmente aparece mais tarde na vida.

Controlar os níveis de insulina para os pacientes é um esforço constante e, muitas vezes, caro. Níveis elevados de açúcar no sangue podem danificar o coração, os rins, os olhos e os nervos. Mas se os níveis caírem demais, a pessoa pode sentir tremores, desmaiar ou ter convulsões.

Os pacientes do estudo pertenciam aos cerca de 30% que sofrem de uma complicação da diabetes tipo 1 chamada de hipoglicemia assintomática — eles não apresentam sinais de alerta quando seus níveis de glicose caem rapidamente. Faltam os sinais típicos, como tremores ou suor, que indicam a necessidade urgente de glicose.

Pessoas com essa condição podem desmaiar subitamente, ter convulsões ou até morrer.

— É um modo de vida assustador — afirma Trevor Reichman, diretor do programa de transplante de pâncreas e ilhotas do University Health Network, hospital de Toronto, no Canadá, e autor principal do estudo. — Você se preocupa o dia inteiro, todos os dias, com onde está a sua glicose, o que você come e quando se exercita — acrescenta.

Segundo Reichman, os pacientes do estudo começaram a precisar de menos insulina poucos meses após a infusão com as novas células, e a maioria deixou de precisar do hormônio por completo por volta dos seis meses.

Ele acrescentou que os episódios de hipoglicemia desapareceram nos primeiros 90 dias após o tratamento. Se os resultados continuarem positivos, a empresa espera submeter o pedido de aprovação à FDA no próximo ano.

— Para o curto prazo, isso parece promissor para pacientes gravemente afetados, como os do estudo — diz Irl B. Hirsch, especialista em diabetes da Universidade de Washington, que também não participou do estudo.

Mas os pacientes da pesquisa tiveram que permanecer tomando medicamentos para evitar que o sistema imunológico destruísse as novas células. Suprimir o sistema imunológico, disse ele, aumenta o risco de infecções e, a longo prazo, pode elevar o risco de câncer.

— O argumento é que essa imunossupressão não é tão perigosa quanto a que usamos normalmente para rins, corações e pulmões, mas não saberemos disso com certeza por muitos anos — afirma Hirsch. Segundo a Vertex, os pacientes podem ter que tomar os imunossupressores pelo resto da vida.

O tratamento é o resultado de um trabalho iniciado há mais de 25 anos, quando o pesquisador de Harvard Doug Melton prometeu encontrar a cura para o diabetes tipo 1. Seu filho, então com seis meses, foi diagnosticado com a doença e, mais tarde, sua filha adolescente também. Sua paixão era encontrar uma solução para eles e para outros pacientes.

Ele começou, segundo relata, com uma “crença inabalável de que a ciência pode resolver os problemas mais difíceis”. Foram necessários 20 anos de trabalho minucioso, repetitivo e frustrante de Melton e uma equipe de cerca de 15 pessoas para encontrar a combinação certa de substâncias químicas capaz de transformar células-tronco em células de ilhotas. Ele estima que Harvard e outros investiram cerca de US$ 50 milhões na pesquisa.

Peter Butler, professor de medicina da UCLA e consultor da Vertex, disse que ficou impressionado com o feito da equipe de Harvard:

— O fato de que funcionou já é absolutamente incrível para mim. Posso garantir que houve mil experimentos negativos para cada um que deu certo.

Quando Melton finalmente obteve sucesso, precisava de uma empresa para levar a descoberta aos testes clínicos. Ele se juntou à Vertex, que aceitou o desafio.

O primeiro paciente a receber a terapia experimental, Brian Shelton, foi infundido em 2021. Ele sofria com episódios de hipoglicemia que o faziam perder a consciência. Uma vez bateu sua motocicleta contra um muro, e em outra ocasião desmaiou em um quintal enquanto entregava correspondências.

A infusão o curou, mas ele morreu pouco depois devido a sintomas de demência que, segundo a Vertex, começaram antes do tratamento.

O recrutamento dos 12 pacientes no novo estudo foi lento, segundo Reichman, por causa dos critérios de inclusão rígidos. Alguns desistiram ao saber que teriam que tomar imunossupressores, acrescentou.

Uma das participantes, Amanda Smith, enfermeira de 36 anos em London, Ontário, Canadá, disse que agarrou a chance de entrar no estudo. Seis meses após a infusão, ela já não precisava mais de insulina.

— É como uma vida completamente nova — diz ela.