ENERGIA

Minerais críticos e terras raras ajudam a traçar uma nova geopolítica da energia

Transição energética deve conferir novo status a países que detêm reservas, como o Brasil

Extração de lítio - Sigma Lithium/divulgação

A corrida em busca de descarbonização por meio de fontes limpas de energia tem potencial de redesenhar a geopolítica global. Se petróleo e gás começam a perder protagonismo, minerais críticos, especialmente as chamadas terras raras, ganham importância como combustíveis dessa nova ordem de poder.

O Brasil emerge como um dos países que podem ganhar destaque como grande fornecedor, já que tem reservas consideradas entre as maiores do mundo de lítio — usado em baterias de carros eletrificados — e de terras raras — minerais essenciais para a fabricação de uma série de produtos de tecnologia e transição energética. O desafio é como ampliar a exploração de matérias-primas, garantindo a coexistência com a preservação ambiental.

— O Brasil pode ter uma posição geopolítica muito mais relevante do que tinha com o processo de transição energética. Tem grande estoque de minerais críticos, potencial para se tornar grande fornecedor, mas é preciso observar como as questões ambientais serão endereçadas. Nem todo o potencial do país poderá ser explorado — avalia Marcio Couto, superintendente de pesquisa da FGV Energia.

O país concentra a segunda maior reserva do mundo de terras raras, atrás apenas da China, em meio à valorização dessas matérias-primas. Só o estado de Minas Gerais, que tem os maiores estoques, está atraindo investimentos bilionários, que passam dos R$ 5 bilhões.

No caso do lítio, os aportes estimados até 2030 para a produção do mineral são calculados em R$ 15 bilhões pelo Ministério de Minas e Energia (MME). O Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, desponta como polo produtor no Brasil. De nióbio, mineral usado em supercondutores e em baterias de íons de lítio, o Brasil detém mais de 90% das reservas mundiais.

Projetos de longo prazo
Na avaliação de Valdir Silveira, diretor de Geologia e Recursos Minerais do Serviço Geológico do Brasil SGB), países com grandes reservas de minerais essenciais tendem a ter mais destaque na geopolítica global. Ele diz que isso acontece pela alta demanda, já que a transição para energias renováveis (solar, eólica), veículos elétricos e armazenamento de energia depende desses minerais. Eles estão concentrados em poucos países, entre eles o Brasil, criando potenciais pontos de estrangulamento na cadeia de suprimentos.

— A transição energética elevou esses minerais ao status de “recursos estratégicos críticos”, comparáveis ao petróleo no século XX. Portanto, países que detêm reservas significativas, como o Brasil, mas também capacidade de produção ou, principalmente, capacidade de refino e processamento (onde a China domina e tem grande vantagem atualmente), inevitavelmente estão no centro de atenção de poder geopolítico — afirma.

Manuel Fernandes, sócio da KPMG do setor de Energia e Recursos Naturais, observa que será preciso explorar e produzir uma quantidade bem maior de terras raras do que a atual. Ele diz que o país precisará fazer já a escolha se quer continuar como exportador de commodities ou se vai ter aqui produtos de maior valor adicionado.

— São projetos muito relevantes do ponto de vista do investimento em infraestrutura. Para fazer uma mina tradicional, com a logística para chegar no ponto de embarque, que normalmente é um porto, são de três a cinco anos, dependendo da região do país. E construir uma refinaria para esses minerais críticos leva de três a quatro anos. Então, não é um projeto para curtíssimo prazo — diz Fernandes, lembrando também que o país precisa investir em inovação.

Ele lembra que a China está investindo massivamente em energia renovável, enquanto a demanda de energia cresce a uma taxa ainda maior. Atualmente, a produção de terras raras na China chega a 70% da demanda global, enquanto o Brasil não chega a 1%.

O especialista avalia que o Brasil está num momento importante, e que a transição energética pode alavancar a economia. Para ele, uma política industrial seria bem-vinda para fazer o país “pensar no que quer fazer” no processo.

Cinturão industrial solar
Relatório publicado pela Mission Possible Partnership (MPP), organização independente sem fins lucrativos que promove a transformação da indústria limpa global, com base em dados do Rastreador Global de Projetos, mostrou que países como Índia, Egito e Brasil formam o “novo cinturão industrial solar” e estão rapidamente alcançando países de bases industriais históricas.

Segundo o relatório, a China continua na liderança do desenvolvimento da indústria limpa no mundo, representando um quarto dos US$ 250 bilhões em investimentos em plantas limpas, seguida pelos Estados Unidos, com 20% e pela União Europeia, com 15%. Mas esses líderes podem, em breve, ser superados.

No centro dessa mudança está o “cinturão industrial solar”, região que abrange a África, Ásia e América do Sul, onde recursos naturais abundantes estão sendo aproveitados para fornecer energia solar. Por enquanto, países do cinturão recebem um quinto dos investimentos em plantas industriais limpas. Mas há potencial para ampliar a cifra, diz o relatório.

O relatório, Indústria Limpa: Tendências de Transformação, produzido pela MPP, mostra um pipeline global de US$ 1,6 trilhão de projetos anunciados, mas ainda não financiados. Os países do “cinturão industrial solar” respondem por 59% do total, em comparação com 18% para os EUA, 10% para a UE e apenas 6% para a China.

Os projetos abrangem setores-chave, incluindo alumínio, produtos químicos, cimento, aviação e aço. Os setores de indústria limpa de crescimento mais rápido são amônia verde, candidata a ser usada como combustível de transporte limpo, e combustíveis de aviação sustentáveis.

— Assim como as indústrias do passado se localizavam perto das minas de carvão, a nova geração de plantas industriais intensivas em energia irá para onde puderem ter acesso a eletricidade abundante, confiável, barata e limpa para produzir materiais, produtos químicos e combustíveis — diz Faustine Delasalle, CEO da MPP e Diretora Executiva do Acelerador de Transição Industrial (ITA), iniciativa global multissetorial, lançada na COP28, para acelerar a descarbonização da indústria pesada e do transporte de longa distância.

O relatório da MPP aponta o gargalo dos recursos: a conversão de projetos anunciados para decisões finais de investimento é muito lenta. Se a taxa de conversão dos últimos seis meses continuasse, levaria cerca de 40 anos para que todos os projetos previstos começassem a ser construídos. Será preciso um aumento de cinco vezes do investimento atual, com ações de governos, instituições financeiras e compradores corporativos.