EUA

Enchentes no Texas: Falta de alerta antes de tragédia alimenta críticas em meio a buscas

Autoridades estaduais e federais estão sendo questionadas por ausência de sistema eficaz para preparar pessoas em áreas de risco e comunicação de agências meteorológicas atingidas por cortes de verba

Ponte sobre o Rio Guadalupe em 5 de julho de 2025 em Center Point, Texas - Jim Vondruska/Getty Images/AFP

À medida em que equipes de emergência continuam a realizar buscas por pessoas desaparecidas nas regiões atingidas por enchentes no Texas, cada vez mais setores da sociedade americana começam a questionar autoridades estaduais e federais sobre como foi possível que a população tenha sido pega de surpresa por um fenômeno climático identificado e alertado por agências de meteorologia.

Oitenta e oito pessoas morreram, segundo um balanço atualizado divulgado pelas autoridades na tarde desta segunda-feira, incluindo 27 crianças e monitores de um acampamento para meninas localizado às margens do rio Guadalupe.

Repórteres questionaram autoridades durante uma coletiva de imprensa realizada na tarde desta segunda sobre os alertas enviados — ou a falta deles — a população do Condado de Kerry, o mais fortemente atingido e onde fica localizado o acampamento que recebia cerca de 750 meninas em férias escolares.

O senador republicano Ted Cruz pareceu admitir que os sistemas atuais não eram suficientes, mas evitou apontar culpados imediatamente.

— Da próxima vez que houver uma enchente, espero que tenhamos processos em vigor para remover especialmente os mais vulneráveis do caminho do perigo — disse Cruz. — Mas esse será um processo que exigirá uma análise cuidadosa do que aconteceu.

O Condado de Kerry, com pouco mais de 50 mil habitantes, está localizado numa parte do Texas que é conhecida como "beco das enchentes repentinas". A Bacia do rio Guadalupe é uma das regiões mais perigosas dos EUA em relação a esse tipo de fenômeno — que se diferem das enchentes comuns, pois a água não sobe de maneira gradual, avançando sem dar aviso prévio. Apesar disso, os serviços de meteorologia haviam captado que chuvas potencialmente recorde cairiam no Texas no dia anterior à tragédia.

O Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA (NWS, na sigla em inglês) emitiu uma série e alertas antes da enchente arrebatadora da sexta-feira. Ainda na quinta-feira, balões meteorológicos identificaram um alto índice de umidade na atmosfera sobre o centro do Texas, emitindo uma série de alertas de inundação para a região a partir da tarde de quinta. Os escritórios do NWS chegaram a emitir um aviso de emergência sobre enchentes repentinas cerca de uma hora antes da água começar a subir — mas essas informações não chegaram com o devido apelo à população local.

Quando a enchente atingiu o Condado de Kerry, na semana passada, boa parte da população foi alertada apenas por mensagens de texto — que chegaram tarde demais para alguns moradores, enquanto foram ignorados ou não visualizados por outros.

Em um abrigo da Cruz Vermelha na cidade de Hunt, uma das mais afetadas pela enchente, a moradora Lesa Baird afirmou que não ouviu "absolutamente nenhum [aviso]" quando as enchentes chegaram.

— Ouvi algo acontecendo. Coloquei os pés no chão e senti a água. Peguei um monte de gatinhos em uma caixa e acordei meu amigo. Ele teve que quebrar uma janela para sair de casa — contou a idosa de 65 anos em entrevista ao jornal inglês Guardian, acrescentando que eles ficaram em cima de uma árvore até a água baixar.

Sem alerta
Moradora de Kerrville, outra cidade do condado de Kerr, Nicole Wilson iniciou uma petição on-line para pressionar pela implementação de um sistema de alerta externo, com sirenes similares às usadas em zonas com risco de tornado, para alertar a população. Apesar do movimento ter atraído atenção da mídia local, a tentativa não é a primeira neste sentido.

Em 2017, após uma enchente, autoridades de Kerr consideraram instalar um sistema de alerta, com sirenes e medidores do nível do rio, mas o projeto foi rejeitado por ser considerado caro demais. Por anos, as autoridades locais se fiaram em um sistema informal de boca a boca: em que os líderes de acampamentos instalados na parte a montante do rio avisavam os acampamentos a jusante sobre qualquer enchente iminente.

— Com todas essas colinas, o sinal de celular não é tão bom em algumas áreas do interior — disse Tom Moser, comissário do Condado de Kerr na época em que se discutiu a implantação do sistema de alerta, aposentado em 2021. — Acho que muitos lugares nos EUA vão olhar para o que aconteceu aqui e se perguntar o que poderia ser feito. Algo precisa sair disso. Deve ser uma lição aprendida.

Mesmo quem recebeu algum tipo de alerta não assimilou de imediato a gravidade da situação. Louis Kocurek, de 65 anos, morador de Center Point, a cerca de 16 km de Kerrville, disse que nunca recebeu qualquer tipo de alerta oficial. Após o genro o alertar sobre a enchente, ele verificou o nível do riacho perto de sua casa e decidiu não sair — mesmo com a água subindo 4,5 metros em 15 minutos. Ele recebeu um alerta de um serviço privado de emergência apenas às 10h07, quando já não havia possibilidade de abandonar o local.

— Nessa altura, as estradas estavam fechadas, não tinha como sair — disse Kocurek, cuja casa acabou não sendo atingida.

Autoridades locais foram evasivas a questionamentos sobre o sistema de alerta. O administrador local de Kerrville, Dalton Rice, disse que haveria uma "revisão formal" que se concentraria na "preparação para o futuro", ao responder à pergunta de um jornalista no domingo, mas ressalvou que não iria "especular" e que era o momento de focar nas operações de resgate.

Cortes federais
Em paralelo aos questionamentos sobre o sistema de alerta mais eficaz, uma segunda frente de crítica crescente gira em torno de cortes de orçamento a nível federal nas agências de meteorologia — que foram afetadas pelo Departamento de Eficiência Governamental (Doge).

Ex-funcionários dos serviços de meteorologia americanos afirmaram durante o fim de semana que a perda de profissionais experientes, que normalmente teriam ajudado na comunicação com as autoridades locais nas horas seguintes à emissão dos alertas de enchentes repentinas durante a noite, provavelmente comprometeram a resposta mais adequada.

O escritório do Serviço Nacional de Meteorologia em San Angelo, responsável por algumas das áreas mais afetadas pelas enchentes de sexta-feira, não tinha um hidrólogo sênior, um meteorologista e um meteorologista responsáveis, de acordo com Tom Fahy, diretor legislativo da Organização Nacional de Funcionários do Serviço de Meteorologia, o sindicato que representa os trabalhadores do Serviço de Meteorologia. O escritório do Serviço de Meteorologia em San Antonio, nas proximidades, que cobre outras áreas afetadas pelas enchentes, também tinha vagas em aberto.

Nesta segunda-feira, o senador Chuck Schumer, principal democrata no Senado, solicitou ao inspetor-geral interino do Departamento de Comércio dos EUA que investigasse se os cortes e a escassez de pessoal no Serviço Nacional de Meteorologia contribuíram para o grande número de mortes no Texas.