ORIENTE MÉDIO

Israel projeta deslocar 600 mil palestinos para em Rafah em meio a desconfiança sobre expulsão para

Ministro da Defesa israelense disse a jornalistas que instruiu Exército a estabelecer zona humanitária em Rafah

Palestinos deslocados sentam-se em suas tendas em um campo improvisado de deslocados na área de Mawasi, em Rafah, no sul da Faixa de Gaza - Bashar Taleb/AFP/arquivo

Horas antes do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, e do presidente dos EUA, Donald Trump, defenderem um plano de retirada da população civil palestina da Faixa de Gaza, em uma reunião na Casa Branca na segunda-feira, o ministro da Defesa israelense, Israel Katz, revelou que havia determinado uma nova abordagem aos palestinos.

Katz disse ter instruído o Exército a estabelecer uma "cidade humanitária" sobre as ruínas de Rafah, no sul do enclave, para onde toda a população deveria ser deslocada — uma medida que ativistas humanitários denunciaram como parte de um plano mais amplo para a expulsão dos palestinos de suas terras.

Em conversa com jornalistas, Katz disse que instruiu as Forças Armadas a prepararem um plano para o deslocamento inicial de 600 mil palestinos para uma zona em Rafah, atualmente em ruínas. A ideia, acrescentou o ministro, seria começar a construção do que chamou de "cidade humanitária" durante o cessar-fogo de 60 dias que está sendo negociado com o Hamas.



Prioritariamente, seriam enviados para a região as pessoas que estão na zona costeira de al-Mawasi, mas a ideia é de que todos os civis — cerca de 2,1 milhões de pessoas — seja eventualmente transferida para o local.

Ainda de acordo com Katz, os palestinos seriam submetidos a uma triagem de segurança ao entrar na área — uma medida para garantir que o Hamas não se infiltrasse na região, justificou — e não receberia autorização para sair. O Exército ficaria responsável por isolar o perímetro, mas a administração local e a distribuição de ajuda humanitária ficariam a cargo de organizações externas, não mencionadas pelo ministro.

O plano esboçado por Katz provocou um alerta entre ativistas humanitários, que apontaram a medida como parte de um esforço mais abrangente do governo israelense para retirar os palestinos de Gaza, algo que as autoridades do país têm chamado de "emigração voluntária", mas que ativistas e agências internacionais dizem se tratar de uma violação do direito internacional e possível crime de guerra. Na segunda, Katz disse que o plano de "emigração voluntária vai acontecer".

— [Katz] apresentou um plano operacional para um crime contra a humanidade. Não é nada menos do que isso. Trata-se de uma transferência populacional para o extremo sul da Faixa de Gaza em preparação para a deportação para fora da Faixa — disse o advogado israelense Michael Sfard, em entrevista ao jornal britânico Guardian. — Embora o governo ainda chame a deportação de 'voluntária', as pessoas em Gaza estão sob tantas medidas coercitivas que nenhuma saída da Faixa de Gaza pode ser vista, em termos legais, como consensual.

A ONU se manifestou anteriormente sobre a deportação ou transferência forçada da população civil de um território ocupado, afirmando que equivale a "uma limpeza étnica".

A ideia de que a saída da população seria uma livre escolha dos palestinos foi alimentada por Trump e Netanyahu na Casa Branca. O presidente americano tem sido o principal fomentador da ideia de retirar os palestinos do enclave de forma permanente, chegando a prometer que Gaza iria se transformar em uma "Riviera" no Oriente Médio. Trump chegou a defender que países como Egito e Jordânia ficassem responsáveis por receber os palestinos — o que foi rejeitado pelos países árabes.

— Estamos trabalhando com os EUA para encontrar países dispostos a concretizar o que sempre dizem: que querem dar aos palestinos um futuro melhor — afirmou Netanyahu em Washington.— Isso se chama livre escolha. Sabe, se as pessoas querem ficar, elas podem ficar, mas se querem ir embora, elas devem poder ir embora.

Ao retomar a operação militar em Gaza, após o período de trégua negociado com ajuda dos EUA no começo do ano, o governo israelense aprovou planos que incluíam a conquista de Gaza e manutenção dos territórios por Israel. A ocupação de Gaza é uma pauta há muito defendida por setores da extrema direita israelense, que com Netanyahu chegaram ao poder, incluindo o ministro da Segurança Interna, Itamar Ben Gvir, e o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich.

Embora Trump tenha afirmado na segunda-feira que o Hamas "quer este cessar-fogo", sinalizações vindas do Catar, onde representantes do grupo terrorista e do Estado judeu participam de negociações indiretas para uma nova trégua, indicam que um desfecho ainda pode demorar.

— Não acho que possa dar um prazo no momento, mas posso dizer desde já que precisaremos de tempo para isso — disse Majed al-Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Catar, nesta terça-feira, acrescentando que as negociações ainda estavam em estágios relativamente iniciais. — O que está acontecendo agora é que ambas as delegações estão em Doha. Estamos conversando com elas separadamente sobre uma estrutura para as negociações. Portanto, as negociações ainda não começaram.

Enquanto isso, em Gaza, a guerra continua. Israel anunciou que cinco de seus soldados morreram no enclave palestino na noite de segunda. Correspondentes militares israelenses afirmaram que as mortes foram provocadas por artefatos explosivos na área de Beit Hanun, no norte de Gaza. A Defesa Civil de Gaza afirmou que 29 pessoas morreram em bombardeios israelenses.

Área de Trânsito Humanitário
Não está claro se o plano descrito com Katz tem relação com uma proposta que a agência de notícias Reuters noticiou ter sido apresentada pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF, na sigla em inglês) — a polêmica organização que passou a centralizar a distribuição de ajuda no território — à Casa Branca, que previa a criação de áreas de trânsito humanitário no enclave palestino. A Reuters noticiou o plano na segunda-feira.

De acordo com fontes consultadas pela agência e por uma versão da proposta revisada pela reportagem, a proposta prevê a construção de campos de grande escala dentro — e possivelmente fora — de Gaza para abrigar a população palestina, em um formato para "substituir o controle do Hamas sobre a população de Gaza". O plano teria custo estimado de US$ 2 bilhões, e indica que a população de Gaza poderia "residir temporariamente, desradicalizar-se, reintegrar-se e preparar-se para realocar-se, se assim o desejar".

O grupo humanitário, respondendo a perguntas da Reuters, negou ter apresentado uma proposta e afirmou que os slides revisados na matéria não eram um documento da GHF. Posteriormente à publicação, a organização chamou a publicação de uma "caça às bruxas".

"Eles publicaram a matéria de qualquer maneira. Isso não é jornalismo. É uma caça-cliques motivada por interesses pessoais, sustentada por fontes de má-fé e projetada para gerar polêmica, não para revelar a verdade", escreveu a fundação.