Música

Farofa Carioca relança clássico álbum "Moro no Brasil" e retorna aos palcos; ouça

Banda sacudiu o mercado musical no final dos anos 90 misturando soul, funk, reggae, forró, jongo, hip-hop e pop

Farofa Carioca: Formação original e novo vocalista Mário Broder (ao chão) - Divulgação/ Washington Possatto

Liderado por Seu Jorge e Gabriel Moura, o Farofa Carioca e a Universal Music Brasil lançaram pela primeira vez no streaming, o ábum “Moro no Brasil” (1998) remixado, remasterizado - inclusive em versão Dolby Atmos (áudio espacial) - e, em breve, em vinil. 

O relançamento do álbum marca o retorno do grupo aos palcos para reviver o sucesso do final dos anos 90, com a nova turnê em sua formação original, que estreou em junho no Festival João Rock, em São Paulo, levando sua inconfundível mistura sonora e muita energia ao palco.

Com um suingue original do samba incorporado a ritmos como soul, funk, reggae, forró, jongo, hip-hop e pop, a banda conquistou fãs por todo o Brasil com seu formato de big band de gafieira que dialogava com o Movimento Black Rio.

"Moro no Brasil"
Como já anunciava Seu Jorge na abertura do disco, o Farofa é “um prato cheio de alegria, poesia e diversão, enchendo a barriga do povão de ritmo e brasilidade”.

“Estamos de volta com a potência e musicalidade de sempre, fazendo um baile com muito suingue, alegria e dedo na ferida, sem perder o bom-humor”, conta Gabriel Moura, que atualmente divide a linha de frente do grupo com o novo vocalista Mário Broder.

O repertório do show traz sucessos como “Moro no Brasil”, “Bebel”, “Doidinha”, “São Gonça”, “Jacaré” e “A Lei da Bala” em arranjos originais, além de releituras de clássicos da soul music brasileira, como “Casinha de Sapê / Na Rua, na Chuva, Na Fazenda” (Hyldon) e "Quero Ver Você no Baile” (Gabriel Moura e Seu Jorge), que, especialmente no show do festival João Rock, contaram com as participações especiais de seus intérpretes originais, Hyldon e Paula Lima.

 

O disco conta, ainda, com Quero Ver Você no Baile” (Paula Lima, composição de Gabriel Moura e Seu Jorge) e outros sucessos .

Além da big band de 12 músicos, o show ainda conta com o DJ Mohamed Malok em os samples ao vivo, projeções de artes visuais assinadas por Rafael Dória, designer do projeto original de “Moro no Brasil”, e VJ Ricardo Muralha comandando o telão.

Sobre a banda
O Farofa Carioca é Bertrand Doussain (Flauta), Carlos Moura (Trombone), Gabriel Moura (Voz e Violão), Mário Broder (Vocal), Sandrinho Carioca (Percussão), Sérgio Granha (Baixo), Valmir Ribeiro (Cavaquinho).

Completam a banda Wellington Coelho (percussão), Fred Castilho (Bateria), Peterson Leal (Guitarra), Zé Maria (Sax tenor), Henrique Band (Sax barítono) e Davi Salvatierra (Trumpete).

Turnê
As próximas paradas da tunrê são Juiz de Fora (MG - dia 8 de agosto), Nova Friburgo (RJ - 17/08) e Petrópolis (RJ - 14/09). Mais informações e novas datas nas redes sociais (@bandafarofacarioca).

Assista ao show:

“Foi fascinante examinar os arquivos originais, mixar e masterizar usando os recursos tecnológicos de hoje; é como abrir uma janela no tempo 27 anos depois”, conta Gabriel Moura, guitarrista, vocalista e compositor.  “Esse relançamento é uma alegria muito grande porque, com toda essa transformação digital que passamos, podermos trazer para a juventude o acesso ao álbum é um prazer enorme para todos nós”, afirma Seu Jorge.

“É um lançamento histórico. Farofa Carioca, além de marcar a época, fez uma mistura de ritmos - pop, rock, reggae, samba, hip-hop. Eles influenciaram o pop-rock brasileiro que explodiu na década de 90. Para o lado artístico, para a cena da cultura musical brasileira e carioca, o Farofa Carioca é fundamental”, complementa Paulo Lima, presidente da Universal Music Brasil.

Dolby Atmos (áudio espacial)
Se o Farofa Carioca já era uma verdadeira experiência sonora, o áudio espacial destaca todas as nuances desse rico caldeirão que usa o samba como base para incorporar ritmos como soul, funk, reggae, forró, jongo, pop, tudo azeitado pelo suingue das Big Bands de Gafieira e Movimento Black Rio da década de 70.  

“A intenção era, naturalmente, divertir e causar impacto. Tanto no som quanto nos shows”, lembra Gabriel. “Vínhamos do teatro e queríamos levar algo a mais para o palco além da música; precisávamos disso. Então, os shows tinham perna-de-pau, malabarista, acrobata, voos, fantasias. Chegamos a ter dois números de trapézio. Tudo era muito divertido”, lembra Seu Jorge.

Ano passado, o grupo se reuniu para uma apresentação memorável no Rio de Janeiro dando o pontapé inicial à nova fase, que conta ainda com o vocalista Mário Broder. “Para mim, esse show foi uma alegria muito especial porque minhas filhas, por exemplo, que nasceram depois da banda e cresceram me ouvindo falar do grupo, puderam assistir, curtir essas referências. A minha mais nova comentou comigo que ficou bastante encantada com o show”, conta Seu Jorge.

Nascido entre as ladeiras de Santa Teresa e as coxias do grupo de teatro da UERJ, o Farofa Carioca uniu subúrbio e zona sul, cruzou as fronteiras do Estado e se destacou de forma avassaladora na cena pop dos anos 90.  

“A gente queria fazer uma banda como uma espécie de fanfarra: Móvel, compacta, com todo o charme carioca, informal, descolada, orgânica, sabe? Sobretudo naquele momento de encontros, praia, pessoas… pra gente era uma grande novidade”, lembra Seu Jorge, que dividia estúdios, bares e shows com amigos de bandas contemporâneas como O Rappa, Planet Hemp e Chico Science & Nação Zumbi.

O momento de liberdade de expressão, autoestima e consciência social e política guiava os artistas, que refletiam, como num espelho, todas as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros sem perder a alegria e a irreverência do espírito carioca.

Racismo, pobreza, violência, drogas, minorias, caos urbano e social são tratados com inteligência e simplicidade tornando a arte do grupo popular e sofisticada ao mesmo tempo. “Era um Brasil que saía definitivamente da ditadura, tinha uma nova constituição promulgada há pouco, derrubara Collor, vivia o dólar 1 x 1 e se abria mais para a consciência ambiental após a Eco 92; sonhávamos com um futuro brilhante”, contextualiza Gabriel Moura.

Porém, ao mesmo tempo, as notícias eram desanimadoras, como a chacina na Candelária, os massacres dos Carajás e Carandiru, o caso do indígena Galdino, Sérgio Naya e a queda do Edifício Pallace 2, as fraudes no INSS etc.

“Boa parte do que nos unia era a possibilidade de se encontrar nos sonhos, no desejo de realização individual e coletiva. Quem quer construir algo passa a se preocupar uns com os outros; então pensávamos nos nossos pais, vizinhos, brasileiros como nós, e esses assuntos refletiam naturalmente na nossa música”, completa Seu Jorge.

História
O primeiro álbum do Farofa Carioca foi disputado pelas gravadoras após um concorrido show no antigo Ballroom, no Rio de Janeiro.

O potente samba funk da banda, conduzido por um naipe de metais eletrizante, uma cozinha percussiva de tirar o fôlego e arranjos de cordas diferenciados no pop da época, formavam o tempero desse prato que Seu Jorge, Gabriel Moura, o francês Bertrand Doussain e a big band serviam.

Seja numa roda de samba na praia de Ipanema ou nos principais palcos do Brasil, como os festivais Free Jazz e Abril Pro Rock.

O disco traz sucessos como a faixa-título “Moro no Brasil”, um samba-funk ácido e carnavalesco resumindo o espírito do grupo: “Moro no Brasil, não sei se moro muito bem ou muito mal; só sei agora faço parte do país; a inteligência é fundamental”, avisava o refrão.

“São Gonça”, música que virou hit instantâneo ao avisar “Pretinha, faço tudo pelo nosso amor”. “Bebel”, um groove-rap-percussivo com metais caprichados, percussão eletrizante e os ataques de coro em uníssono contagiando o refrão.

Outro sucesso do grupo, “Doidinha” - com citação de “Mulata Assanhada” (Ataulfo Alves) e inspiração em “Garota de Ipanema” (Tom Jobim/Vinicius de Moraes) - é até hoje uma das mais pedidas nos shows do Seu Jorge ou Farofa.

Parte do DNA natural da banda, as questões sociais e raciais saltam no disco no reggae “A Carne”, com participação do cantor Fagner, que viria a ser regravada por Elza Soares anos depois eternizando o verso “A carne mais barata do mercado é a carne negra”; na crônica “A Lei da Bala”, sobre a vida e violência nos morros da cidade, unindo suingue, divisões rítmicas,  funk carioca e um storytelling conhecido da periferia.

Assim como na envolvente “Jacaré”, quando, já na introdução, uma trabalhadora reclama das condições do transporte e do país (“É mal administrado mesmo!”) e Seu Jorge emenda: “Aí eu posso falar, tô na minha área, na condição”, e solta como uma metralhadora a letra da música, alertando e convocando o povo para acordar contra os desmandos políticos - “Tiram onda com o seu dinheiro de contribuinte o ano inteiro, deitado numa rede, na sua casa de praia caçando jacaré no pantanal”. Isso lembra algo?

Como na provocativa “Índio”, que mistura rock, psicodelia, marcações indígenas e percussão em uma letra sarcástica e contundente. A música foi dedicada ao líder indígena Galdino, assassinado por jovens em Brasília, e a gravação contou com os integrantes do grupo A Parede, citações da ópera “O Guarani” (Carlos Gomes) e sampler da locução do Repórter Esso, Heron Domingues.

O tema também é apresentado na releitura de “Timbó”, única faixa não autoral do disco, um samba de terreiro gravado por Jamelão em 1957 para a escola Império Serrano, que falava sobre um mítico feiticeiro africano criado na ilha de Marajó (PA).

“Ela nos conecta com a nossa ancestralidade, a espiritualidade que faz todo o sentido quando se fala de povo brasileiro. Tem um arranjo maravilhoso de cordas do Maestro Paulo Moura, meu tio, que também faz o solo de clarineta no final. A faixa ainda conta com a voz e o tantã suingado do Sandrinho Carioca, que é o coração do Farofa”, opina Gabriel Moura.