opinião

O governo está interditado?

“E a prudência dos sábios, nem ousou conter nos lábios, o sorriso e a paixão”.

                                                   Chico Buarque
 



O governo Lula está interditado? Por uma questão fiscal, que se tornou crise institucional? Está obstruído o diálogo entre o Executivo e o Legislativo. Uma interdição política. O governo submeteu ao Congresso projeto para elevar as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras – IOF. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal derrotaram a proposta. E, em seguida, o Congresso Nacional editou um decreto executivo sobre a matéria. Então, o governo resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal. Pedindo que a Corte declare a medida congressual inconstitucional. Por invadir competência do Executivo.

Este problema vem de longe. Tem duas raízes. Do lado do Executivo, a raiz está na decisão do governo aumentar as despesas públicas com a indexação de duas políticas: a indexação do salário-mínimo ao crescimento do PIB. E a indexação dos orçamentos da Saúde e da Educação ao crescimento do PIB. Ora, todo mundo sabe que o problema da inflação, há quarenta anos, era a indexação de preços. O Plano Real desindexou os valores na economia.

Do lado do Legislativo, a raiz está na apropriação por aquele Poder de 25% dos recursos disponíveis no Orçamento da União. Mais de 70 bilhões de reais. Por meio de emendas impositivas. Esta providência foi tomada no governo anterior. Quando o fastio do Executivo em negociar com o Legislativo entregou improvável quantia do orçamento aos parlamentares.

Estas duas políticas, juntas, agravaram a fragilidade fiscal do governo. Que se projeta para os orçamentos dos próximos anos. Na prática, o que se vê é o seguinte: o Executivo tem a responsabilidade constitucional de fazer. E não tem dinheiro. E o Legislativo não tem a responsabilidade de fazer. E tem dinheiro. Acrescente-se ao problema o fato de que o governo não quer reduzir os gastos. Reduzindo os investimentos. Porque a eleição vem aí, em 2026.

Controvérsia estabelecida. Porque o governo não tem base parlamentar capaz de sustentar a aprovação, no Parlamento, das matérias de seu interesse. Esta realidade cruza com dados das pesquisas de opinião. Que atestam a queda continuada da aprovação do governo Lula. A esta altura, com desaprovação maior. Os parlamentares, olhando, de perto, suas reeleições, terminaram rejeitando o aumento do IOF. Porque pagar mais tributo não interessa aos setores que financiam campanhas eleitorais. No impasse, o governo pediu parecer à Advocacia Geral da União. Reconhecendo razão de direito ao Executivo. Que resolveu judicializar o assunto, recorrendo ao STF.

Buscar a mediação do Judiciário significa dizer que se esgotou o espaço de negociação política. Evidente que se o Supremo favorecer o governo, os parlamentares distribuirão, na apreciação dos projetos, gotas infindas de insatisfação. Mas, segundo o presidente Lula, se o Executivo não o fizesse, não teria como governar.

Colocar o ponto final na agenda da negociação política é um passo extremo. Porque o governo é minoria na Câmara dos Deputados. Então, as dificuldades para governar seriam muitas. O horizonte atual aponta para dois cenários: primeiro cenário, a retomada do diálogo político, com a normalização do processo de discussão e aprovação de projetos no Legislativo. Neste caso, o governo, se obtiver aumento da taxa de aprovação popular, poderá contar com a hipótese de disputar a eleição com chance.

Segundo cenário, a continuação do impasse, com obstrução do diálogo entre os Poderes. E a interdição de funcionamento do governo. Este cenário relembra os obstáculos enfrentados pela ex-presidente, Dilma Rousseff. É difícil imaginar que um político, com a experiência de Lula, deslize para tal contexto. O mais provável é que o senso de realidade se imponha. Que a negociação política avance. E que o governo trabalhe. Para melhorar seus números na avaliação do eleitor.

Há um fato que está pressionando o curto prazo. E que é fundante, estruturante, na gestão do país: o regime é presidencialista ou é parlamentarista? Se for presidencialista, o Executivo tem que contar com os recursos para desempenhar sua função. Mas dificilmente os parlamentares abrirão mão dos recursos das emendas. Como sempre, a solução está na negociação. Entre o presidente eleito e o novo Congresso.
 


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