DIREITOS HUMANOS

"Plataformas digitais tornaram-se armas de destruição em massa para democracia", diz Maria Ressa

Jornalista filipina, vencedora do Nobel da Paz, destaca o papel da imprensa e faz alerta sobre os impactos da desinformação na internet

María Ressa, vencedora do Prêmio Nobel da Paz - Reprodução

"Jornalismo é a base da democracia". Assim que a jornalista filipina Maria Ressa, premiada com o Nobel da Paz em 2021, começou seu discurso no Teatro Copacabana Palace na terça-feira, quando aconteceu a 22ª edição do Prêmio Faz Diferença, apresentado pelo O Globo e Firjan SESI, com apoio da Naturgy e Petrobras.

Ressa, que ganhou o Nobel “por seus esforços para salvaguardar a liberdade de expressão”, participa nesta quarta-feira de um outro evento do Globo com a editora Companhia das Letras na Livraria Travessa, do Shopping Leblon, às 19h. Com mediação do repórter Filipe Barini, Ressa vai discutir jornalismo e desinformação, alguns dos temas de seu livro, “Como enfrentar um ditador”. Ela autografa a obra logo depois do bate-papo, que terá tradução consecutiva.

Leia o discurso completo de Maria Ressa no Prêmio Faz Diferença:

"O Globo sabe, assim como nós, que o jornalismo é a base. As histórias que contamos moldam vidas. O jornalismo é a base da democracia.

Apesar de estarmos separados por oceanos, o Brasil e as Filipinas têm muitas experiências semelhantes. Já passamos por ditaduras no passado e sabemos o que a desinformação faz. Vocês tiveram o Bolsonaro e nós tivemos o Duterte.

Eu me curvo aos jornalistas brasileiros que continuam fazendo seu trabalho, apesar de termos nos tornado muito mais vulneráveis. Como continuamos seguindo em frente?

Das 25 traduções do meu livro, "Como enfrentar um ditador", o Brasil foi o único que substituiu o prefácio de Amal Clooney por uma jornalista, a Patricia Campos Mello, que exigiu justiça e ganhou.

Por isso, brinco que nossa semelhança é que o Brasil, assim como as Filipinas, veio do inferno. Mas, agora, estamos no purgatório, enquanto alguns daqueles países do norte estão indo para o inferno. Estamos reunidos em um momento em que a democracia está sendo atacada em todo o mundo.

'Apocalipse de informações'
Uma sala cheia de jornalistas. Esse é o meu melhor público, pois me tornei jornalista, acreditando que a informação é poder. Mas, neste momento, estamos vivendo um apocalipse de informações.

Os fatos estão sob ataque, a verdade assassinada e a confiança destruída. Sem fatos, não podemos ter verdade. Sem a verdade, não podemos ter confiança. Sem essas três, não temos uma realidade compartilhada e não podemos começar a construir relacionamentos. O único governo que sobrevive sem confiança é uma ditadura.

Tive 11 acusações criminais apresentadas pelo governo Duterte em 14 meses. Já se passaram quase nove anos desde que ele assumiu o cargo. E ganhei 10 de 11 desses processos. Para estar aqui hoje, tenho de pedir permissão à Suprema Corte. Portanto, sabemos que quando você perde seus direitos, é muito difícil recuperá-los.

Mas, como vocês sabem, Rodrigo Duterte foi preso nas Filipinas em março. Ele está, agora, em Haia enfrentando acusações de crimes contra a humanidade e será julgado em setembro. Eu estou aqui. Vou deixá-los com essas reflexões.

As plataformas digitais se tornaram armas de destruição em massa para a democracia. Os algoritmos disseminam a infecção. Isso é manipulação do comportamento humano de cada democracia do mundo. Cada um de nós em plataformas de mídia social, usando chatbots, IA generativa.

'Batalha pela alma da humanidade'
Mas, além disso, estamos em uma batalha pela alma da humanidade em todas as principais religiões do mundo. E foi bom ver o Papa Francisco lá. O Papa Leão XIV está entrando nessa batalha, que não é lá fora. Na verdade, a batalha é interna. É a nossa consciência. No Islã, eles chamam de jihad.

O problema é que a tecnologia que estamos usando está encorajando o pior de quem somos, o pior da humanidade. A questão não é se a tecnologia nos mudará. Já aconteceu. Mas ela recompensa o pior de quem somos.

Agora, a questão é: permitiremos que a tecnologia destrua nossa humanidade, nossas democracias?

No livro, fiz a mesma pergunta aos filipinos. E nós sobrevivemos. Assim como no Brasil, estamos no purgatório. O que você sacrificaria pela verdade? Silêncio é cumplicidade. A inação é uma escolha.

Nosso futuro coletivo está nas mãos de cada um de nós. Está em suas mãos. Uma pessoa sozinha não conseguirá fazer a diferença, mas juntos podemos.

Para os atuais e próximos 100 anos do Globo, o desafio, agora, é dos jornalistas. Nós sobreviveremos? Isso vai depender do que cada um de nós decidir fazer".