A geopolítica das tarifas: quando as alíquotas falam a língua da Guerra Fria
A recente escalada das tarifas americanas sobre as exportações brasileiras, um salto abrupto de 10% para um punho cerrado de 50%, não é meramente um ajuste de balança comercial. Longe de ser o reflexo natural de desequilíbrios econômicos, essa medida ergue-se como um golpe de xadrez eminentemente político, uma flecha certeira lançada para dissuadir e pressionar no vasto e intrincado tabuleiro da geopolítica. Na ancestral arte da ciência política, as tarifas são, em essência, um sussurro de guerra sem o clangor das espadas, um meio de assediar ou moldar o destino de uma nação sem jamais erguer uma bandeira de batalha.
O que agora se insinua no horizonte das relações entre Washington e Brasília é, de fato, uma tempestade perfeita, com nuvens carregadas que se formaram a partir de um caldeirão de razões. A ascendência das big techs e das redes sociais, pilares do império comunicacional de Donald Trump, atua como um vento forte nesse temporal, soprando tanto receitas quanto apoio político. O próprio Trump, arquiteto e mestre de sua própria arena digital, onde defende com unhas e dentes a "liberdade de expressão" como escudo para rebater acusações de atos antidemocráticos, projeta sua sombra sobre a governança digital global.
Não menos significativo é o abraço ideológico que se tece e se incentiva. A orquestração de figuras como Eduardo Bolsonaro e Javier Milei, buscando um retorno à estrela-guia de Washington sob uma ótica conservadora, é um fio invisível, mas potente, nessa tapeçaria. Adicionalmente, a voz coletiva do BRICS, ecoando em sua cúpula mais recente no Rio de Janeiro, com discursos e comunicados que soaram como notas dissonantes para o ouvido trumpista – em temas como o Irã, Israel, sanções unilaterais e protecionismo – certamente reverberou nos corredores do poder americano. É um paradoxo mordaz que nações do BRICS, muitas vezes guardiãs de barreiras tarifárias e não-tarifárias mais elevadas que as do próprio Tio Sam, ergam suas vozes contra o protecionismo alheio.
Entretanto, por trás das cortinas da complexidade econômica e diplomática, o palco é, sobretudo, dominado pela dança frenética de três líderes populistas: Trump, Bolsonaro e Lula. O populismo, em sua essência, é um espelho distorcido que exalta o líder como o sol de um sistema, a figura insubstituível. Para o populista, o brilho pessoal e a força da personalidade muitas vezes eclipsam resultados concretos, a fria análise técnica e as políticas públicas fincadas em dados. Nesse choque de titãs personalistas, é quase uma sina que as questões econômicas e técnicas se tornem meros figurantes, cedendo o centro do palco à retórica inflamada e à confrontação.
A inclusão, na carta oficial americana que anuncia a sobretaxa de 50%, de questões como o julgamento de Jair Bolsonaro, velhas acusações de "caça às bruxas" (termo que Trump maneja como um chicote retórico contra seus próprios algozes), ataques às eleições e às plataformas de mídias sociais, antes mesmo da tarifação, não surpreende; é, ao contrário, a própria assinatura da medida. Trump, qual alquimista das narrativas, busca transmutar a realidade, apresentando a si próprio e a Bolsonaro como paladinos da democracia, em um movimento para costurar uma reputação esgarçada por eventos como o 6 de janeiro de 2021. O Brasil, nesse intrincado jogo, transforma-se em um ponto estratégico no mapa para a projeção de suas visões ideológicas.
É vital recordar a sombra da Doutrina Monroe que Trump resgata do século XIX, pregando a liderança dos Estados Unidos sobre o hemisfério ocidental como seu jardim particular. Enquanto ele se desvencilha de outras partes do mapa-múndi, como a Europa e trechos da Ásia-Pacífico (quase cedendo, numa dança velada, à China e à Rússia em suas respectivas esferas de influência), ele não tolerará que um país da magnitude do Brasil seja um foco de resistência às suas visões. A busca por um alinhamento continental é um imperativo inegociável, e figuras como Javier Milei emergem como os mensageiros preferenciais nesse novo arranjo.
Diante deste cenário em que a geopolítica tece seus fios invisíveis e as agendas populistas se entrelaçam em um nó górdio, a diplomacia brasileira é agora chamada a ir além das paixões ideológicas que, qual miragens no deserto, se desfazem ao primeiro sopro da realidade. O momento exige uma bússola interna, uma postura que reconheça a natureza política das pressões externas e que priorize, acima de tudo, os interesses perenes do Estado e do povo brasileiro. É imperativo que nossa diplomacia seja uma navegante experiente no oceano da política internacional, atuando com pragmatismo, inteligência estratégica e uma visão que extrapole os ciclos eleitorais. O Brasil precisa erguer seu farol de soberania e seus valores, defendendo-os com altivez e discernimento, garantindo que as sementes plantadas hoje floresçam para a nação, e não para o efêmero jardim de governantes circunstanciais. É disso que o Brasil precisa! Basta!
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