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Alckmin diz que governo publicará decreto para regulamentar reciprocidade, após tarifaço de Trump

É essa norma que pode ser usada para retaliar os Estados Unidos caso a tarifa de 50% sobre exportações brasileiras anunciada por Donald Trump entre em vigor

O vice-presidente Geraldo Alckmin - Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O vice-presidente Geraldo Alckmin afirmou nesta quinta-feira que o governo irá editar nos próximos dias um decreto para regulamentar a chamada Lei de Reciprocidade. É essa norma que pode ser usada para retaliar os Estados Unidos caso a tarifa de 50% sobre exportações brasileiras anunciada por Donald Trump entre em vigor.

— Em relação à reciprocidade, ela já foi votada, é lei aprovada pelo Congresso Nacional, e o decreto deve estar sendo publicado, se não hoje, amanhã, nos próximos dias — disse. — Na minha avaliação é um grande equívoco o que foi feito, e entendo que isso deve ser corrigido.


Mais cedo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia dito que criará um comitê com empresários para repensar a política comercial com os Estados Unidos e reforçou que medidas de retaliação ao tarifaço de Donald Trump já estão em estudo.

A principal delas, segundo ele, é o uso da Lei da Reciprocidade, aprovada pelo Congresso, que permite ao Brasil adotar sanções equivalentes às impostas por outros países.

— Primeiro, do ponto de vista diplomático tem várias medidas para se tomar. Podemos recorrer à OMC (Organização Mundial do Comércio), propor investigações internacionais, cobrar explicações. Nós temos a Lei da Reciprocidade, que aprovamos no Congresso Nacional. Primeiro tentaremos negociar, mas se não tiver negociação a Lei da Reciprocidade será colocada em prática. Se ele vai cobrar 50% de nós, a gente vai cobrar 50% dele — disse à TV Record.

O presidente criticou a forma e o conteúdo do anúncio feito por Trump, que anunciou uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.

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Para Lula, além de desrespeitosa, a medida revela desconhecimento sobre a relação histórica entre os dois países e será respondida com firmeza pelo Brasil. O petista disse que não é aceitável a diplomacia ser substituída por vídeos em redes sociais.

— A primeira coisa que precisa ficar clara para o povo brasileiro é que quem tem que respeitar o Brasil e gostar do Brasil são os brasileiros, mas eu achei aquela carta fosse um material apócrifo porque não é costume mandar correspondência pelo site do presidente — afirmou.


Durante a entrevista, o presidente brasileiro acusou ainda o ex-presidente americano de propagar dados falsos e ignorar os laços históricos com o Brasil. Disse ainda que, ao contrário do que Trump afirmou em sua carta, os EUA não enfrentam prejuízo comercial na balança bilateral.

— Ele acha que os Estados Unidos têm déficit com o Brasil, mas não é verdade. Se você pegar o ano passado, exportamos US$ 40 bilhões e importamos US$ 47 bilhões. Tivemos um déficit de US$ 7 bilhões. Mas se você pegar os últimos 15 anos, nós temos um déficit de US$ 410 bilhões. Será que ninguém da assessoria dele tem a sabedoria de explicar para ele não fazer uma afronta dessa a outro país? — questionou.

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Lula também saiu em defesa do Judiciário brasileiro, citado de forma indireta por Trump ao mencionar decisões que, segundo ele, atentariam contra a liberdade de expressão de empresas americanas. O presidente rebateu, dizendo que o Brasil tem instituições sólidas, que devem ser respeitadas por qualquer país estrangeiro. Trump citou processos envolvendo Jair Bolsonaro na carta.

— Eles têm que respeitar a Justiça brasileira como eu respeito a americana. Se o que Trump fez no Capitólio tivesse acontecido aqui, ele estaria sendo processado como o Bolsonaro e arriscado a ser preso. Eu não me meto no Judiciário. Aqui, o Judiciário é autônomo, sobretudo o STF — disse Lula.

As declarações sobre as big techs também foram alvo de Lula, que rejeitou a tese de que o Brasil busca censurar plataformas digitais.

Segundo o presidente, a legislação brasileira é clara e deve ser respeitada por todas as empresas que atuam no país, inclusive as americanas.

— Quem estabelece as regras no Brasil é o Congresso Nacional e o Judiciário. Ele não pode ficar dizendo que não pode fazer nada com as empresas que não respeitam a legislação brasileira. Aqui respeita.

Lula ainda atribuiu parte da ofensiva americana à influência de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) teria atuado diretamente para convencer Trump a adotar medidas contra o Brasil, num gesto de retaliação ao avanço das investigações judiciais que envolvem seu pai.

— O ex-presidente deveria assumir a responsabilidade porque ele está concordando com a taxação do Brasil. Aliás, foi o filho dele que foi lá fazer a cabeça do Trump, que começa uma carta tentando fazer um julgamento de um processo que está na mão da Suprema Corte. É um processo que não tem julgamento político não, se nos autos dizer que a pessoa errou, será condenado. É assim que é o Brasil.

Lula classificou o episódio como uma tentativa de uso eleitoral da relação bilateral. Disse que é “inadmissível” que interesses externos se sobreponham à soberania brasileira e reforçou que o país saberá responder com firmeza e equilíbrio.

Ele encerrou a entrevista anunciando que as tratativas diplomáticas já estão em curso e que eventuais sanções ou ações comerciais dependerão da condução do Itamaraty.