BRICS

Enquanto Brasil fica no alvo, Índia tenta escapar da metralhadora tarifária de Trump

País tem se esforçado para mostrar aos EUA que não concorda com planos do bloco de substituir o dólar como moeda de referência em transações comerciais e se distanciar da posição favorável de Lula

Primeiro-Ministro da República da Índia, Narendra Modi - Ricardo Stuckert / PR

Enquanto o Brasil está no alvo da metralhadora tarifária de Donald Trump, a Índia tenta se proteger da reação do presidente americano contra integrantes do Brics, do qual também é membro-fundador.

O país enfatiza que não tem planos de desafiar o domínio global do dólar dos Estados Unidos, de acordo com fontes a par ouvidas pela agência Bloomberg.

O presidente dos EUA rotulou o grupo de países em desenvolvimento de “antiamericano” e o acusou de tentar minar o papel do dólar como principal moeda do mundo.

Trump alertou, repetidamente, sobre uma tarifa de 10% sobre todos os 10 membros do Brics, incluindo a Índia, — mesmo ao afirmar que um acordo comercial com Nova Déli estaria próximo.

Na quarta-feira, Trump implementou uma nova rodada de tarifas, como a de 50% sobre o Brasil, uma das mais altas até agora anunciadas para as taxas que entrarão em vigor em agosto.

A carta ao Brasil foi enviada logo após a cúpula de dois dias do Brics no Rio de Janeiro, na qual os líderes concordaram com um comunicado conjunto que criticava as tarifas que distorcem o comércio.

Contudo, enquanto o Brasil e a África do Sul criticaram Trump, separadamente, por seus comentários anti-Brics, a Índia se absteve de responder publicamente, um sinal de que pisa em uma corda bamba para manter a relação com Washington.

Autoridades em Nova Déli afirmam que acompanham de perto as últimas ameaças tarifárias de Trump, mas não veem motivo imediato para alarme.

A visão do líder dos EUA é de que o Brics busca minar o domínio do dólar americano, o que não é o objetivo da Índia, disseram as autoridades, que pediram anonimato porque as discussões são privadas.

Lula falou claramente em favor de transações comerciais com moedas nacionais, mas a Índia diz que não apoia iniciativas para uma moeda única do Brics, e qualquer participação em acordos comerciais em moeda local visa apenas reduzir riscos, disseram as autoridades.

“Trump está descontente com alguns membros do Brics que têm discutido sobre uma moeda de reserva alternativa”, disse Mohan Kumar, ex-diplomata indiano e negociador-chefe da Organização Mundial do Comércio, que agora leciona na Universidade Global OP Jindal. A Índia tem, repetidamente, diferenciado comércio em moeda local de desdolarização e, por isso, não se encaixa nessa categoria.”

Com Nova Déli prestes a assumir a presidência rotativa do BRICS em 2026, o país precisará se diferenciar de membros como a China e a Rússia, que buscam construir o bloco como uma voz de oposição mais forte aos EUA. A Índia aposta que seu valor estratégico para os EUA e a postura cambial neutra darão aos EUA motivos para tratá-la de forma diferente de outros membros do BRICS.

Parceira estratégica

O Ministério do Comércio e Indústria da Índia não respondeu a um e-mail de solicitação de comentários. Em uma coletiva de imprensa na terça-feira, o diplomata sênior indiano P. Kumaran afirmou que o primeiro-ministro Narendra Modi e o colega brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, não tiveram “nenhuma discussão” sobre as ameaças de tarifas de Trump durante a visita de Estado do líder indiano ao país:

— Não tivemos a oportunidade de discutir isso.

Ao longo dos anos, a Índia tem sido tratada por vários governos dos EUA como uma parceira estratégica e um contrapeso regional fundamental à crescente assertividade da China.

Esses laços, no entanto, ficaram recentemente sob tensão depois que Trump assumiu o crédito por mediar um cessar-fogo entre a Índia e o Paquistão em maio. Modi rejeitou as alegações de Trump de que ele usou o comércio como ferramenta de barganha para garantir uma trégua.