RELACIONAMENTOS

Agamia, gaslighting e love bombing: de A a Z, o dicionário para definir os novos vínculos

Neologismos dão nome às formas atuais de relacionamento, com outros limites e consentimentos, muito distantes do casal clássico

Geração Z - Freepik

Ghosting, poliamor, love bombing, agamia, orbiting, negging e breadcrumbling são, para citar alguns, rótulos que descrevem comportamentos e dinâmicas nos relacionamentos amorosos, especialmente entre as gerações mais jovens. São termos que evidenciam a complexidade das interações modernas e se estabelecem como uma forma de codificar experiências que, embora não sejam totalmente novas, são vividas com uma intensidade e visibilidade diferentes.

A mudança no vocabulário responde às gerações que cresceram observando e criticando como os relacionamentos de seus pais e avós eram estruturados em torno de compromissos rígidos e papéis tradicionais; algo que atualmente os jovens consideram obsoleto e distante.

Também reflete a necessidade de nomear novas formas de amar, se relacionar e se desapegar que surgem em um contexto nunca antes visto: uma sociedade atravessada pela tecnologia, pelas redes sociais e por uma maior busca pela liberdade pessoal. Essas palavras não apenas descrevem comportamentos, mas também possibilitam conversas mais abertas sobre consentimentos, limites e expectativas nos relacionamentos.

Nesse contexto, tanto o Boletim de Estatísticas de Gênero elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Social da Nação quanto o Instituto Nacional da Mulher expõem a dura realidade do casamento como instituição na Argentina. “Em relação à situação conjugal, destaca-se uma maior proporção de pessoas solteiras, sendo 52,1% homens e 45,7% mulheres”, afirma o boletim.

Além disso, um trabalho realizado no início deste ano pelo aplicativo de encontros Gleeden revelou que 52% dos argentinos entrevistados já experimentaram relacionamentos fora da monogamia. As formas mais comuns dessa experimentação, segundo eles, são a infidelidade (27%) e os relacionamentos abertos (26%). E a tendência não se limita às gerações mais jovens; o artigo indica que pessoas com mais de 50 anos também estão desafiando os estereótipos e adotando novas formas de se relacionar.

Como um líquido
Talvez visionário para a época, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman cunhou o termo amor líquido no início dos anos 2000 para descrever as formas de vínculo afetivo nas novas sociedades. Segundo ele, os laços amorosos perderam solidez e permanência, tornando-se tão flexíveis e voláteis quanto a cultura que os contém.

“Em um mundo de consumidores, os relacionamentos também se tornam produtos de consumo”, adverte Bauman. O compromisso tende a se diluir e os relacionamentos são vividos a partir da lógica do descartável: busca-se a gratificação imediata, mas foge-se do conflito ou do desconforto.

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Bauman não apresenta esse fenômeno como uma simples decadência do amor, mas como o reflexo de uma modernidade líquida onde tudo é atravessado pela instabilidade. “As relações são valorizadas por sua capacidade de durar o mínimo possível e causar o menor tipo de compromisso”, aponta em "Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos".

Assim, negando as dinâmicas tradicionais de relacionamento, as novas gerações assumiram o controle e começaram a questionar estados como a monogamia para dar lugar a conceitos como a agamia — desinteresse em formar um relacionamento amoroso/romântico —; a demissexualidade — incapacidade de sentir atração sexual por outra pessoa sem ter uma conexão sentimental ou emocional prévia — e outras orientações emergentes que refletem a diversificação na compreensão da atração.

— O vínculo monogâmico e o casamento perderam a obrigatoriedade. Anos atrás, eram formas de relacionamento que atravessavam absolutamente todos os vínculos e os tornavam socialmente adequados e aceitos — explica a sexóloga e licenciada em Psicologia, Sandra López.

Para ela, esses neologismos não são realmente algo novo: sempre existiram, só que agora são vistos de forma mais permissiva.

Palavras difíceis
Na era da metamorfose amorosa, a linguagem desempenha um papel fundamental: nomeia realidades e lhes confere um enquadramento, permitindo que as pessoas identifiquem padrões e deem sentido às suas próprias experiências, em contraste com as expectativas de uma sociedade que ainda ajusta suas normas ao ritmo das mudanças.

São termos novos, mas não totalmente fáceis de entender ou adotar. Embora seu uso pareça democratizar a análise e a compreensão dos relacionamentos, eles também podem alimentar expectativas e frustrações. O ghosting, por exemplo, tornou-se uma prática comum nas separações digitais, em que uma das partes desaparece da vida da outra sem dar explicações, uma atitude que seria impensável em gerações anteriores.

Algo semelhante ocorre com o love bombing, uma técnica de manipulação emocional que expõe altos níveis de atenção e afeto, apenas para depois se retirar ou mudar drasticamente. As técnicas mencionadas são interpretadas, em grande medida, como sintomas de uma cultura que abraçou o imediatismo e que busca resolver e encerrar os relacionamentos tão rapidamente quanto os inicia.

Victoria Almiroty, psicóloga, reconhece como verdadeira a tendência à informalidade. Além disso, destaca como fator importante nessa mudança social a distorção que surge com o uso da tecnologia:

— Há uma necessidade de imediatismo, de que as coisas cheguem já e agora. Querem que tudo seja rápido, mas um vínculo é como na cozinha... é feito em fogo brando.

Por sua vez, Sandra aponta que essas questões “têm a ver com emergências sociais”. Por exemplo, ela cita que hoje está em voga o termo responsabilidade afetiva porque é uma forte carência nas relações. E acrescenta: “Como se faz alusão constantemente a esse tipo de comportamento irresponsável, surge a necessidade de categorizá-los sob um nome”.

No que diz respeito à natureza e variedade dos vínculos, Sandra afirma que “não é possível pensar que todos os casais sobrevivem com o mesmo acordo, porque, nesse caso, estaria se anulando a individualidade de cada um”.

Kate Moyle, psicoterapeuta de relacionamentos e apresentadora do podcast The Sexual Wellness Sessions, disse em seu programa que “a chave para qualquer relacionamento bem-sucedido é chegar a acordos”. Sejam eles relacionados a projetos em comum, bases do vínculo ou limites, segundo ela, sempre haverá uma luta entre as necessidades individuais de cada um dos membros do relacionamento, por isso não se deve esperar estar perfeitamente alinhado.

Essas formas são o caminho certo a seguir ou podem ser abandonadas no futuro? Para Sandra, é provável que continuem evoluindo de mãos dadas com a permissividade na liberdade de escolha e na constituição de cada contrato de relacionamento, independentemente de como se escolha chamá-lo.

Já Victoria oferece uma resposta mais contundente a respeito delas:

— Podem ser formas de mascarar inseguranças ou questões não tratadas; embora também exista a possibilidade de que sejam genuínas, desde que sejam consensuais e ninguém esteja cedendo seu desejo ou sofrendo em segredo para permanecer nesse vínculo.

De A a Z: O que significa cada palavra do dicionário emocional moderno

A - Agamia: “Agamia” vem do grego, “a” (“não” ou “sem”) e “gamos” (“união íntima” ou “casamento”) e refere-se à falta de interesse que um indivíduo tem em formar uma relação amorosa/romântica com outra pessoa. “Permite que quem a implementa não precise de outra pessoa para alcançar a plenitude e adquira a capacidade de estar sozinho e se conhecer profundamente”, explica Laura Messina, psicanalista de adultos.

B - Breadcrumbling: Consiste em dar sinais intermitentes de interesse sem um compromisso real para avançar no relacionamento.

C - Cushioning: Surge como uma estratégia daqueles que, estando em um relacionamento formal, buscam um “amortecedor” emocional alternativo por meio de interações em redes sociais, aplicativos de namoro ou trocas online.

D - DADT (Don’t Ask, Don’t Tell): Nova estrutura de casal em que ambos os membros concordam, desde o início, que podem estabelecer outras conexões íntimas ou românticas fora do vínculo principal, mas com a condição explícita de não compartilhar informações a respeito.

E - Encanto: Fascinação inicial intensa por alguém, marcada pela idealização e projeção de desejos próprios. O que se admira não é tanto a pessoa real, mas o que se espera que ela seja.

F - Fast bonding: Conexão emocional intensa que ocorre muito rapidamente, muitas vezes após um primeiro encontro ou match. Pode ser percebido como “química instantânea” ou como uma forma de idealização acelerada.

G - Gaslighting: Em 2018, o Oxford Dictionary nomeou-a como uma das palavras mais populares do ano e definiu-a como “um tipo de abuso psicológico em que se faz alguém questionar a sua própria realidade”.

— É o medo de perder a pessoa amada que leva a suportar esse tipo de abuso psicológico, em que a própria verdade fica enterrada sob a verdade absoluta do outro, que é impossível de questionar ou quebrar — explica a psicóloga Ailin Gómez Mari.

H - Hipergamia: Trata-se de uma forma de vínculo — que pode ser informal — que implica o ato ou a prática de cortejar ou ter um vínculo amoroso com alguém em melhor posição econômica ou social do que a própria pessoa.

— Na antiguidade, era uma realidade aceita e comum, pois não havia direitos de liberdade e crescimento individual. Hoje, porém, não há mais motivos para buscar fora de si mesmo aquilo que se pode ter ou desenvolver por conta própria — afirma a psicóloga especializada em relacionamentos, Carolina Moché.

I - Ick: Sensação repentina de rejeição ou extremo desagrado por alguém por quem se tinha anteriormente interesse romântico ou sexual. Pode ser ativada por gestos, frases ou hábitos mínimos, mas que geram um desconforto visceral.

J - JOMO (Joy of Missing Out): Encontrar prazer em se desconectar e não participar de dinâmicas românticas ou encontros, escolhendo priorizar o bem-estar pessoal.

K - Kintsugi: É uma filosofia ancestral japonesa baseada na arte de reparar objetos quebrados com ouro ou outros metais preciosos, destacando as cicatrizes e rachaduras em vez de escondê-las. A mesma filosofia é agora transferida para os relacionamentos para aprender uma lição valiosa: as feridas e os fracassos não precisam ser uma fraqueza ou um impedimento, mas podem ser usados para fortalecer o relacionamento.

L - Lovebombing: O love bombing, ou bombardeio amoroso em português, é uma técnica pela qual um dos membros do relacionamento enche o outro de amor, elogios e atenções com o objetivo de manipulá-lo e controlá-lo.

— Quando conhecemos alguém novo que nos enche de elogios, demonstra interesse e valorização, a princípio podemos associar isso a boas intenções, sem perceber que por trás disso há manipulação — afirma Sol Buscio, formada em Psicologia.

M - Match: Em aplicativos de namoro, refere-se ao emparelhamento mútuo quando duas pessoas demonstram interesse uma pela outra. Ativa a possibilidade de iniciar uma conversa ou vínculo, embora não garanta que isso se concretize.

N - Negging: O Dicionário Cambridge define como: “A prática de fazer comentários negativos ou levemente insultantes a alguém que se considera atraente para que essa pessoa se interesse por você”.

O - Orbiting: Um evento em que um antigo amante, ex ou mesmo interesse romântico permanece conectado através das redes sociais, mas deixou de interagir diretamente na vida real. Sol Buscio define isso como o ato da "presença-ausência":

— É uma espécie de atividade fantasma que tanto para ele quanto para quem a recebe pode ser fatal — adverte.

P - Par aberto: Relacionamento em que ambos os membros do casal concordam em ter relações sexuais ou amorosas com outras pessoas, sem que isso seja considerado infidelidade.

Q - Quickswipe: Conexão fugaz gerada por um aplicativo de namoro, que desaparece em minutos ou horas sem sequer chegar a uma conversa real. Refere-se a combinações que são mais um gesto do que uma intenção genuína de se relacionar.

R - Responsabilidade afetiva: Capacidade de lidar com as próprias emoções e as dos outros, levando em consideração o impacto que as ações, palavras e decisões têm sobre os outros.

S - Situationship: Relacionamento indefinido, sem rótulos ou compromissos, mas com certa intimidade emocional ou física. É sustentado pela ambiguidade e geralmente marcado pela falta de conversas claras sobre o vínculo.

T - Trieja: Neologismo que se refere a um relacionamento romântico e/ou sexual entre três pessoas, com o consentimento de todas as partes.

U - Unmatch: Ação de se desvincular, deixar de se falar ou eliminar um contato de um aplicativo de namoro após uma interação indesejada ou decepcionante.

V - Vampiro emocional: O consumo energético que uma pessoa exerce sobre outra em um vínculo, drenando sua estabilidade afetiva.

W - Wokeflirting: Técnica de paquera baseada em compartilhar posições ideológicas progressistas para seduzir alguém. Apela para o capital simbólico do “correto” ou do politicamente consciente como forma de gerar atração ou afinidade emocional.

X -ting (ex-ting): Reaparecimento inesperado de um ex que irrompe com uma mensagem, reação ou interação mínima nas redes sociais. Embora não implique uma intenção clara, reabre emoções não resolvidas e ativa confusão ou nostalgia.

Y - Yoísmo vinculativo: Tendência a priorizar o bem-estar, as necessidades e os tempos próprios acima de um acordo ou cuidado mútuo. Ao contrário do egoísmo, esse conceito aparece como uma defesa contra vínculos desequilibrados.

Z - Zonificação afetiva: Quando alguém estabelece zonas claras dentro de um vínculo (amizade, sexo, exclusividade, etc.), mas as redefine de acordo com sua conveniência, sem consenso com a outra parte.