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Brasil pode ficar sem GPS? Entenda o poder e os limites dos EUA sobre o sistema

Diante do aumento de tarifas por parte dos EUA, especialistas discutem se o governo americano teria capacidade e disposição de restringir o uso do GPS como forma de retaliação ao Brasil

Sistema de Posicionamento Global (GPS) é uma constelação de até 31 satélites operados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos - Freepik

A escalada de tensão entre Brasil e Estados Unidos, reacendida após a imposição de novas tarifas por parte do governo de Donald Trump sobre produtos brasileiros, trouxe à tona uma dúvida com contornos de ficção científica, mas implicações reais: os EUA poderiam, em uma medida extrema de retaliação, cortar o acesso ao sinal de GPS no território brasileiro?

O Sistema de Posicionamento Global (GPS) é uma constelação de até 31 satélites operados pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos. Originalmente concebido para fins militares durante a Guerra Fria, o GPS se tornou um sistema de uso civil em escala global. Os sinais são transmitidos abertamente, mas seu controle permanece nas mãos do governo americano.

Embora improvável, a hipótese circula em bastidores diplomáticos e fóruns estratégicos como uma possibilidade teórica, sobretudo diante do histórico americano de utilizar sua superioridade tecnológica como ferramenta geopolítica.

O Brasil, como quase todos os países do mundo, depende intensamente do sistema GPS, desde a navegação de aviões e navios até os aplicativos de transporte e a agricultura de precisão.

— A perda desse recurso comprometeria a operação técnica e a segurança cibernética de inúmeras estruturas essenciais ao país. Falhas de proteção, perda de visibilidade operacional e incapacidade de resposta a incidentes seriam apenas o começo de uma reação em cadeia. Em cenários extremos, portos poderiam ser paralisados, plataformas de petróleo interromperiam suas operações, mineradoras, ferrovias, aeroportos e até o abastecimento de alimentos e medicamentos — alerta Marcelo Branquinho, especialista em segurança cibernética e CEO da TI Safe.

Como funciona o GPS?
A constelação de satélites GPS que orbitam a Terra transmitem sinais de forma contínua. Esses sinais são unidirecionais: saem do espaço e chegam simultaneamente a milhões de receptores espalhados pelo planeta, sem qualquer distinção territorial. Mesmo assim, um bloqueio poderia ser feito por reprogramação remota dos satélites que sobrevoam nosso território.

— Basta aplicar o mesmo algoritmo com as coordenadas da área a ser bloqueada. Ainda que haja vazamento de sinal para países vizinhos, isso dificilmente seria um impeditivo, especialmente diante de um cenário geopolítico mais agressivo, como o que envolve figuras como Donald Trump — explica Branquinho.

Os satélites GPS transmitem sinais de rádio constantemente, contendo informações como horário exato e posição orbital. No solo, receptores em celulares, carros e dispositivos de navegação captam esses sinais. Para calcular a localização de um ponto na Terra, o receptor GPS precisa captar o sinal de pelo menos quatro satélites.

A partir do tempo que cada sinal leva para chegar até o aparelho, o sistema consegue medir a distância até cada satélite. Com base nesse cálculo, é feita uma triangulação, processo matemático que determina a posição exata do receptor em latitude, longitude e altitude.

O segredo está na sincronização precisa dos relógios. Os satélites têm relógios atômicos extremamente precisos, enquanto os receptores ajustam seus cálculos para compensar eventuais diferenças. Pequenos erros de tempo podem causar desvios de vários metros na localização final.

Há vida sem GPS?
Embora o Brasil tenha acordos de cooperação com o sistema europeu Galileo e receba sinais de outros sistemas como o BeiDou (China) e o GLONASS (Rússia), a maioria das infraestruturas críticas brasileiras ainda depende exclusivamente do GPS — em especial aquelas implantadas antes de 2016, quando os demais sistemas ainda não estavam plenamente operacionais.

— A perda do GPS teria impactos severos, especialmente em setores como o de energia elétrica, que depende da sincronização precisa fornecida por esse sistema. Problemas como falhas de autenticação e dessincronização entre subestações poderiam comprometer todo o sistema elétrico e, com ele, a cadeia completa de serviços essenciais — alerta o especialista.

Nos últimos anos, o governo brasileiro também ampliou a cooperação com países que possuem programas espaciais mais avançados e iniciou debates sobre a necessidade de maior autonomia tecnológica em áreas estratégicas, como posicionamento, telecomunicações e defesa cibernética.

— Em menos de um dia, falham os sistemas de bombeamento de água, semáforos entram em colapso, hospitais ficam sem energia de reserva e, em até quatro dias, praticamente nada funciona mais. O Brasil é, hoje, profundamente dependente do GPS, e qualquer interrupção desse sistema representaria uma crise nacional de enormes proporções — finalizou o especialista.