Ex-auxiliar de Anderson Torres admite ao STF relatório sobre votação de Lula, e Bolsonaro
Marília Alencar foi diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres; ambos são réus na ação penal da trama golpista
Marília Ferreira Alencar, ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça na gestão de Anderson Torres, confirmou nesta quinta-feira, em depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF), que antes do segundo turno das eleições de 2022, encomendou a produção de relatórios de inteligência com base em cidades onde Lula e Bolsonaro tinham mais de 75%. Ela negou, no entanto, que tenha havido qualquer direcionamento de policiamento da Polícia Rodoviária Federal, como afirma a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Marília e Torres são réus na ação penal da trama golpista. De acordo com a denúncia da PGR, o projeto de Business Intelligence (ferramenta de análise de dados) encomendado por Marília buscava "coletar informações sobre os locais onde Lula da Silva havia obtido uma votação expressiva e onde Bolsonaro havia sido derrotado, com foco especial nos municípios da Região Nordeste".
A ex-diretora de inteligência da pasta diz que "pediu a inclusão de um filtro de onde um candidato tivesse mais de 70% de intenções de votos", mas negou que fosse direcionado a Lula e ao Nordeste, e sim em todo o país e para "ambos os candidatos". Também disse que nunca compartilhou os dados com a PRF.
— O BI quando está publicado, você pode abrir o acesso para várias pessoas. Isso não foi feito, era para análise interna. Eu nunca nem falei com a PRF sobre esse BI — afirmou.
Sua versão contrasta com a do analista Clebson Ferreira de Paula Vieira. Segundo a PGR, Vieira afirmou em depoimento que "a PRF agiu no dia das eleições com base nos BIs do declarante (Vieira), tanto para saber onde estava o efetivo quanto para saber para onde direcionar o efetivo; (...) as ações da PRF seriam blitz em municípios ou próximas a municípios nos quais o então candidato Lula tivesse votação acima de 75%".
Marília negou que os relatórios fossem usados para direcionar operações policiais. Disse que Torres a incumbiu de realizar relatórios que auxiliassem a pasta a coibir compras de voto e que locais onde determinado candidato tivesse "votação massiva" alinhada ao partido do prefeito poderiam ser um indício do caso. Ela não indicou, porém, que tenha identificado casos de compra de voto.
O documento da PGR cita ainda que no celular de Fernando de Sousa Oliveira, então diretor de Operações da pasta, a polícia encontrou mensagens que corroboram o direcionamento político da PRF. Fernando e Marília faziam parte de um grupo de Whatsapp chamado "EM OFF" no qual comentavam os relatórios.
Em 13 de outubro de 2022, Marília enviou mensagem afirmando que em "belford roxo o prefeito é vermelho precisa reforçar pf” (sic) e “menos 25.000 votos no 9”, em alusão ao favoritismo de Lula no município da Baixada Fluminense. Em seu depoimento, a ex-diretora de inteligência disse que comentava uma reportagem sobre suposta compra de voto no município.
Marília também afirmou que estava brincando quando disse no grupo EM OFF que Torres não era isento e que "meteu logo um 22" na reunião em que o então ministro da Justiça teria pressionado a PF a supostamente aderir ao policiamento politicamente direcionado no segundo turno das eleições. Marília disse em mensagem ao grupo: "achei que o 01 (Torres) falou bem ontem na reunião", ao que Fernando de Sousa Oliveira, diretor de operações do Ministério da Justiça teria respondido: "falou bem demais isento". Ela, então, respondeu: "isento porra nenhuma", "meteu logo um 22", em referência a um favorecimento de Bolsonaro por parte do ministro Torres.
De acordo com a PGR, a conversa entre Marília e Fernando de Sousa de Oliveira "sinalizou a anuência da Polícia Rodoviária Federal e a resistência da Polícia Federal aos comandos ilícitos".
Segundo a denúncia da PGR, "dados fornecidos pela atual gestão da PRF mostraram que, durante o segundo turno das eleições, a Região Nordeste concentrou o maior número de policiais mobilizados, o maior número de postos fixos de fiscalização e o maior número de ônibus fiscalizados e retidos".
Marília também foi subsecretária de inteligência de Torres em sua gestão na Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, em janeiro de 2023. Questionada sobre os erros de segurança que permitiram os atos do 8 de Janeiro, ela afirmou que cumpriu seu dever e que sua área registrou os movimentos de ônibus e acampamentos golpistas. Disse, ainda, que as informações foram transmitidas à Polícia Militar do Distrito Federal, mas não explicou por que o policiamento falhou.