Pesquisa

Poluição do ar aumenta risco de demência, dizem cientistas de Cambridge

O estudo mais abrangente do gênero destaca os perigos das emissões de veículos e fogões a lenha

Pesquisa constatou uma associação positiva e estatisticamente significativa entre três tipos de poluentes atmosféricos e a demência - Nelson Almeida/AFP

A exposição prolongada à poluição do ar está associada a um aumento no risco de demência, de acordo com o estudo mais abrangente do gênero, realizado pela Universidade de Cambridge, na Inglaterra.

Embora a poluição atmosférica já tenha sido identificada como um fator de risco para demência, a pesquisa publicada na revista científica The Lancet Planetary Health constatou uma associação positiva e estatisticamente significativa entre três tipos de poluentes atmosféricos e a demência.

"Estas descobertas reforçam a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para a prevenção da demência. Prevenir a demência não é responsabilidade exclusiva da área da saúde: este estudo reforça a ideia de que o planejamento urbano, as políticas de transporte e a regulamentação ambiental têm um papel significativo a desempenhar.", afirma o primeiro autor, o médico Christiaan Bredell, da Universidade de Cambridge e do North West Anglia NHS Foundation Trust, em comunicado.

No total, os pesquisadores da Unidade de Epidemiologia do Conselho de Pesquisa Médica (MRC), da Universidade de Cambridge, analisaram 51 estudos, incluindo dados de mais de 29 milhões de participantes expostos a poluentes atmosféricos por pelo menos um ano, a maioria de países de alta renda. Destes, 34 artigos foram incluídos na meta-análise: 15 originários da América do Norte, 10 da Europa, sete da Ásia e dois da Austrália.

Os resultados mostraram uma associação positiva e estatisticamente significativa entre três tipos de poluentes atmosféricos e demência. São eles o material particulado com diâmetro de 2,5 mícrons ou menos (PM2,5), dióxido de nitrogênio (NO2) e fuligem provenientes de escapamento de veículos e queima de madeira.

De acordo com os pesquisadores, para cada 10 microgramas por metro cúbico (μg/m³) de PM2,5, o risco relativo de demência de um indivíduo aumentaria em 17%. Para cada 10 μg/m³ de NO2, o risco relativo aumentou em 3%. Para cada 1 μg/m³ de fuligem encontrada em PM2,5, o risco relativo aumentou em 13%.

O PM2,5 é um poluente composto por partículas minúsculas, pequenas o suficiente para serem inaladas profundamente nos pulmões. Essas partículas vêm de diversas fontes, incluindo emissões de veículos, usinas de energia, processos industriais, fogões e lareiras a lenha e poeira da construção civil.

Elas também se formam na atmosfera devido a reações químicas complexas que envolvem outros poluentes, como dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio. As partículas podem permanecer no ar por muito tempo e viajar longas distâncias a partir de onde foram produzidas.

Já o NO2 é um dos principais poluentes resultantes da queima de combustíveis fósseis. É encontrado nos gases do escapamento de veículos, especialmente de diesel, e em emissões industriais, bem como em fogões e aquecedores a gás.

A exposição a altas concentrações de dióxido de nitrogênio pode irritar o sistema respiratório, agravando e induzindo condições como asma e reduzindo a função pulmonar.

A fuligem, quando inalada, pode penetrar profundamente nos pulmões, agravando doenças respiratórias e aumentando o risco de problemas cardíacos.

"As evidências epidemiológicas desempenham um papel crucial para nos permitir determinar se a poluição do ar aumenta ou não o risco de demência e em que medida. Nosso trabalho fornece evidências adicionais para apoiar a observação de que a exposição prolongada à poluição do ar externo é um fator de risco para o aparecimento de demência em adultos previamente saudáveis.", diz autora sênior, a médica Haneen Khreis, da Unidade de Epidemiologia do MRC, em comunicado.

"Combater a poluição atmosférica pode trazer benefícios a longo prazo para a saúde, a sociedade, o clima e a economia. Pode reduzir a imensa carga sobre pacientes, famílias e cuidadores, ao mesmo tempo que alivia a pressão sobre sistemas de saúde sobrecarregados."

Vários mecanismos foram propostos para explicar como a poluição atmosférica pode causar demência, envolvendo principalmente inflamação no cérebro e estresse oxidativo (um processo químico no corpo que pode causar danos às células, proteínas e DNA). Tanto o estresse oxidativo quanto a inflamação desempenham um papel bem estabelecido no início e na progressão da demência.

Acredita-se que a poluição do ar desencadeie esses processos por meio da entrada direta no cérebro ou pelos mesmos mecanismos subjacentes às doenças pulmonares e cardiovasculares. A poluição atmosférica também pode entrar na circulação a partir dos pulmões e se deslocar para órgãos sólidos, iniciando inflamação local e disseminada.

Os pesquisadores apontam que a maioria das pessoas incluídas nos estudos publicados eram brancas e viviam em países de alta renda, embora grupos marginalizados tendam a ter maior exposição à poluição atmosférica.

"Os esforços para reduzir a exposição a esses poluentes essenciais provavelmente ajudarão a reduzir o impacto da demência na sociedade. Limites mais rigorosos para diversos poluentes provavelmente serão necessários, visando os principais contribuintes, como os setores de transporte e indústria. Dada a extensão da poluição do ar, há uma necessidade urgente de intervenções políticas regionais, nacionais e internacionais para combater a poluição do ar de forma equitativa.", afirma Clare Rogowski, coautora principal do estudo e também da Unidade de Epidemiologia do MRC.

Análises posteriores revelaram que, embora a exposição a esses poluentes aumentasse o risco de Alzheimer, o efeito parecia mais forte para a demência vascular, um tipo de demência causada pela redução do fluxo sanguíneo para o cérebro.