Brasil na vitrine, povo no esquecimento
O Brasil vive, em 2025, uma fase de desalento institucional, cansaço social e profundo descompasso entre o que se fala nas altas cúpulas do poder e o que se vive nas ruas. Enquanto o povo sente no corpo o peso do desemprego, da inflação, da insegurança, das filas no SUS e do abandono educacional, autoridades se ocupam com discursos rebuscados, disputas partidárias e palanques montados em conferências internacionais — onde a “imagem do país” vale mais do que a verdade de seu povo.
O que vemos, com frequência crescente, é uma elite política que escolhe lavar a roupa suja do Brasil fora de casa. Os fóruns internacionais têm se tornado palco preferido para denúncias políticas seletivas, polarizações disfarçadas de diplomacia e tentativas de anular internamente adversários usando a vitrine da comunidade global. Há, aqui, um gesto perigoso: como se não fôssemos um país soberano, com instituições próprias, capazes — ou, ao menos, obrigadas — a resolver seus impasses no devido lugar, que é o debate interno, público, constitucional.
Essa postura externa é incoerente quando comparada ao silêncio frente aos verdadeiros problemas nacionais. Dados recentes do IBGE indicam que o desemprego voltou a crescer nos primeiros trimestres de 2025, ultrapassando a marca de 9%, enquanto a inflação nos alimentos básicos atingiu 6,2% apenas no primeiro semestre. Nos hospitais públicos, a falta de medicamentos e de profissionais tem gerado protestos silenciosos, que não ganham voz nas tribunas do Congresso. Nas escolas, crianças ainda estudam em salas superlotadas ou improvisadas, quando não estão fora da sala de aula por ausência de transporte ou merenda.
Não bastassem os impasses internos, há ainda um comportamento cada vez mais recorrente por parte de figuras políticas e autoridades que insistem em tratar as mazelas brasileiras como espetáculo para plateias estrangeiras. Sabidamente, não é a primeira vez que os pretensos “donos do Brasil” resolvem discutir os problemas nacionais em fóruns internacionais, como se o país não fosse soberano ou como se não houvesse legitimidade — ou coragem — para encarar seus impasses em solo pátrio.
Lavam-se as roupas sujas na vitrine alheia, enquanto aqui dentro elas se acumulam, mofam e exalam o cheiro de negligência e oportunismo. Falam de democracia lá fora, mas silenciam sobre a desconfiança nas instituições cá dentro. Denunciam retrocessos diante de câmeras globais, mas pouco fazem para reverter a desigualdade, a fome, a violência e a desesperança que assolam milhões de brasileiros todos os dias.
Tal comportamento não é apenas desleal com o próprio povo, mas profundamente ofensivo à ideia de soberania. Ao invés de um debate nacional franco e honesto, prefere-se o caminho da vitimização e da exposição externa — como se o Brasil fosse uma criança malcriada esperando ser repreendida por instâncias superiores.
Mas o Brasil não é uma criança. É uma nação complexa, rica, potente — e cansada. Cansada dos escândalos, das promessas, das traições políticas, dos discursos que não viram ações, e dos salvadores da pátria que nunca chegam. O povo brasileiro — resiliente e trabalhador — merece mais do que essas batalhas encenadas em palcos internacionais. Merece ser ouvido, respeitado e priorizado.
É revoltante ver representantes eleitos pelo povo utilizarem palcos globais para construir narrativas distantes da realidade brasileira. Em vez de trazerem soluções reais para dentro, optam por levar escândalos e vergonhas para fora. Não é patriotismo. Não é diplomacia. É vaidade institucional — e desrespeito com quem sustenta esse país de pé todos os dias, muitas vezes com fome, sem segurança e sem perspectiva.
Não é a primeira vez que essa atitude se repete. E, infelizmente, não será a última se o próprio povo não acordar para exigir que os verdadeiros debates sejam feitos aqui, com a devida seriedade. O Brasil não é colônia, não é vitrine, não é palco. É nação. E merece ser tratada como tal.
Fica, então, uma pergunta incômoda, mas necessária:até quando permitiremos que falem por nós lá fora, enquanto aqui dentro a voz do povo segue sendo ignorada?
* Advogada.
** Mestre de Direito e Processo Penal e professor acadêmico de Direito.
___
Os artigos publicados nesta seção não refletem necessariamente a opinião do jornal. Os textos para este espaço devem ser enviados para o e-mail cartas@folhape.com.br e passam por uma curadoria antes da aprovação para publicação.