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Carla Zambelli presa na Itália: deputada pode ser extraditada mesmo com passaporte europeu?

Parlamentar foi condenada a dez anos de reclusão por falsidade ideológica em caso que envolveu invasão ao sistema eletrônico do CNJ

Carla Zambelli na Câmara em foto de arquivo Carla Zambelli na Câmara em foto de arquivo - Michel Jesus/Câmara dos Deputados

Dois meses após deixar o Brasil, a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) foi presa na Itália nesta terça-feira após ser incluída na lista vermelha da Interpol, o que a tornou procurada em 196 países.

A prisão da parlamentar havia sido determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após ela ser condenada a uma pena de dez anos de reclusão por falsidade ideológica e invasão do sistema eletrônico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Especialistas ouvidos pelo Globo avaliam quais podem ser os próximos passos envolvendo a deputada, que tem passaporte italiano.

Segundo Zambelli, por ter a cidadania do país, ela seria "intocável" estando em território italiano, como ela chegou a afirmar logo após viajar para o exterior. A legislação da nação europeia, porém, admite a possibilidade de extradição de nacionais.

— Eu percebo que nós não temos mais justiça no Brasil, eu tenho cidadania italiana e eu nunca escondi. Como cidadã italiana, eu sou intocável na Itália. Ele (Alexandre de Moraes) não pode me extraditar de um país que eu sou cidadã — disse Zambelli em uma entrevista ao canal CNN Brasil.

 

O artigo 26 da constituição italiana, no entanto, diz ser possível a extradição de nacionais, quando prevista expressamente em convenções internacionais. Assinado em 1989, o Tratado de Extradição entre Brasil e a Itália permite essa possibilidade, ainda que a trate como facultativa, cabendo ao país europeu optar ou não pela extradição.

— O fato de a pessoa ser nacional possibilita a recusa, mas eles não têm o mesmo obstáculo constitucional que nós — explica o procurador e professor de Processo Penal da Universidade de São Paulo (USP) Andrey Borges de Mendonça, referindo-se à norma brasileira que proíbe a extradição de nacionais condenados no exterior.

Segundo Mendonça, ainda que a Itália venha a negar a extradição de Zambelli, ela deverá cumprir a pena no exterior por força das previsões do acordo de 1989. O procedimento seria o inverso do ocorrido com o ex-jogador de futebol Robinho, condenado à pena de nove anos de prisão por estupro pela Justiça italiana. Em 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) homologou a sentença estrangeira contra o atleta, que começou a cumprir pena na Penitenciária II de Tremembé, em São Paulo.

— Se o país falar "não vou extraditar", o Brasil transfere a sentença para lá. Impunidade certamente não vai acontecer. Ela vai ser extraditada ou será feita a homologação da sentença — explica o professor.

Um precedente é o caso do ex-diretor de marketing do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado a 12 anos e sete meses de prisão por envolvimento no escândalo do mensalão pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e peculato. Ele fugiu do Brasil em 2013, com o passaporte do irmão, mas acabou localizado e preso na Itália pela Interpol na cidade de Maranello, no Norte do país. Em seguida, o Brasil pediu a extradição dele, que tinha dupla cidadania:

— Todo mundo dizia na época que ele não poderia ser extraditado da Itália para o Brasil pois tinha cidadania dupla. Na verdade, estudando a legislação italiana e o histórico da Itália com países, vimos, sim, que era possível — disse o professor e procurador Vladimir Aras, em um vídeo publicado no Instagram no qual comparava os casos de Zambelli e Pizzolato.

Segundo Aras, o argumento da defesa do ex-diretor do Banco do Brasil se baseava na situação do sistema carcerário brasileiro. Na primeira instância, a solicitação de extradição foi negada pela Corte de Apelação de Bolonha. Mas o Brasil, assim como o Ministério Público da Itália, recorreu. Em fevereiro de 2015, a Corte de Cassação de Roma concedeu a extradição.

— O maior obstáculo foi a questão dos direitos humanos nas prisões. A Itália está submetida às normas da União Europeia. Se ela extraditar para um país que não respeita os direitos humanos, pode ser condenada na Corte Europeia — comenta Andrey Mendonça