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A relação avoenga e o desafio da alienação parental inversa

A relação entre avós e netos é uma das conexões familiares mais ricas e significativas, proporcionando benefícios emocionais, sociais e culturais tanto para os jovens e crianças quanto para os idosos. A obra específica sobre "Avosidade", traz uma inspiradora coletânea sobre a importância desse vínculo e ressalta como as relações intergeracionais são fundamentais para o desenvolvimento e bem-estar dos respectivos sujeitos. No Brasil, a participação dos avós na criação dos netos insere-se em uma cultura paternalista que pode ora ser benéfica, ora trazer alguns desafios. Isso se dá, principalmente pelo crescente fenômeno da chamada alienação parental inversa, que pode ameaçar, afastar ou romper essas relações.

A Importância dos Vínculos Intergeracionais
Na realidade social brasileira, os avós desempenham um papel crucial na transmissão de valores, histórias e tradições culturais. Comumente, desempenham um papel de guardiões da memória familiar, oferecendo aos netos um senso de identidade e continuidade, uma outra fonte de apoio emocional e a importância do passado na formação das personalidades intergeracionais.

Segundo dados do IBGE em 2023, a expectativa de vida aumentou em 11,3 meses com relação ao ano de 2022, atingindo 76,4 anos e superando o patamar pré-pandemia. Com esse aumento, cresceu o número de avós e o fator temporal de desenvolvimento do papel.  Além disso, com a queda do índice de natalidade, os novos formatos de família e suas rupturas, as recomposições conjugais, aliados a necessidade da dedicação ao trabalho com o crescimento laborativo das mulheres/mães, a busca pelo sucesso profissional, a correria da vida moderna, as crises econômicas, dentre outras vicissitudes, os avós terminaram desempenhando um papel importante na dinâmica familiar atual, como rede de apoio (acompanhamento no dia a dia, moral e financeiro). 

A relação entre netos-avós, que têm laço emocional forte e próximo entre si, obtém benefícios importantes para sua vida, tornando-se mais generosos, criativos, promovendo maior desempenho escolar, autoestima e inteligência emocional.

Presume-se que para os avós, a conexão com os netos possa proporcionar satisfação pessoal e o sentimento de maior utilidade, além de novas motivações e maior favorecimento para o acompanhamento de novos valores, à exemplo do uso da tecnologia, e ainda um menor risco de depressão, mais ativos e com maior possibilidade de superação do declínio cognitivo, se aliado a outros fatores ligados à saúde. 

Devido às responsabilidades distintas, os avós, podem possuir melhores condições de escuta do que os próprios pais, por não terem o peso do protagonismo da criação e educação, das urgências nas demandas, ou mesmo a busca pela construção patrimonial e financeira, como os pais têm. 
Na ruptura conjugal, contudo, a depender do tipo de relação firmada, os avós podem conferir importante contribuição para a vida dos netos e para as famílias como um todo, mas também podem tender a proteger os seus filhos em face dos ex-genros e noras, sobretudo se a separação lhes trouxe profundo sofrimento. Nesse contexto, os avós também podem vir a protagonizar condutas alienadoras em face de um dos genitores, mormente quando terminam assumindo mais responsabilidades do que deveria nessa criação.  

Quando ocorre a ruptura conjugal dos pais, momento difícil e delicado para a família toda, ainda que a transição ocorra de forma consensual, o sofrimento pode ser coletivo, embora em distintas dimensões, reclamando esforço nas readaptações de vida. Assim, em meio a tudo isso, os avós também são atingidos pela transição familiar, tendem a sofrer junto, especialmente diante das adversidades que seu (ua) filho (a) estão vivenciando e podem estar em situação de maior experiência, detendo, em tese, uma capacidade mais ampla de acolhimento, aconselhamento e amparo dos netos. 

Esse amparo torna-se ainda mais necessário nos casos em que a ruptura familiar se dá de forma litigiosa, uma vez que as pessoas diretamente envolvidas, terminam passando por instabilidades emocionais e momentos individuais próprios que podem afetar a criação dos filhos. Nesse momento, o comportamento pode ser de maior acolhimento e segurança, mas, paradoxalmente, pode também fomentar ainda mais o litígio, se protagonizar condutas alienadoras. 

 

Mas diante de possíveis benefícios, não resta dúvida de que a troca é importante, e a relação avoenga pode proporcionar uma maior estabilidade. 
A alienação parental é fenômeno complexo que pode estar sendo protagonizado por avós ou podem os tornar vítimas. Nesse último caso, estamos diante da chamada alienação parental inversa, que se caracteriza pela prática de afastar as pessoas idosas, geralmente um dos avós, da convivência com o(s) neto(s), por meio de manipulação psicológica e abusiva, fazendo comentários negativos, dificultando ou impedindo o contato entre eles, criando desconfiança, dentre outros fatores. Essa prática, pode privar os avós e netos de uma relação ideal mais afetuosa e causar danos emocionais irreparáveis tanto para a pessoa idosa quanto para a criança e adolescente, afetando a saúde mental de ambos, enquanto sujeitos estatutariamente vulneráveis. 

Enfim, o ideal da relação entre avós e netos, deve ser primado como um tesouro inestimável na estrutura familiar, oferecendo troca de experiências entre gerações, amor, aprendizado e apoio mútuo. Proteger e nutrir essa conexão é vital, e abordar sobre a possibilidade da alienação inversa é necessário, a fim de que futuras gerações possam se prevenir e continuem a se beneficiar das relações intergeracionais. Soluções colaborativas e um maior reconhecimento do papel dos avós podem ajudar a prevenir a alienação inversa, reforçando a importância da preservação da estrutura familiar para todos os envolvidos, independentemente de qual seja o formato da família e dos conflitos e desajustes eventualmente enfrentados pelos pais na conjugalidade. 

A convivência familiar é um direito fundamental da criança e do adolescente e está previsto no art. 227 da Constituição Federal, e inclui os avós, estando regulamentado pelo art. 1589, parágrafo único do Código Civil Brasileiro. Dessa forma, a lei brasileira está concordante com a necessidade de valoração dessa relação interrelacional, para fins de atendimento do melhor interesse de ambos, considerando a dupla vulnerabilidade. 

IBGE. https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/brasil/brasil-registra-menor-numero-de-nascimentos-em-quase-50-anos-diz-ibge/, acesso em 29 de julho de 2025.



* Advogadas especialistas em direito das famílias e sucessões.

 

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