opinião

O autoritarismo americano. E o sabiá-laranjeira

Há uma nova ordem. Adotada por uma contra-corrente oposta aos pais fundadores. Os que fundaram a República americana em 1778. E foram, durante quatro séculos, zeladores da democracia na América. Agora, a nova ordem agride o Capitólio, legisla com decretos executivos, demite-se da exemplaridade institucional.

A nova ordem atinge três esferas: na primeira, tenta inibir o pensamento crítico da Universidade com a retirada de recursos para pesquisa. Columbia e Harvard buscam salvar parcelas de autonomia universitária. Na segunda esfera, politiza a política fiscal com tarifaço. Recuou diante da estatura chinesa. Negociou com a União Europeia. E tentou chantagear o sabiá-laranjeira. Sem êxito. Na terceira esfera, modela uma nova oligarquia na versão de uma plutocracia eletrônica. Permitindo benefícios mútuos com bigtechs.       

Essa nova ordem político-econômica opera numa moldura que está crescendo. E tende a se fortalecer. A geopolítica. Apoiada em blocos econômicos. Reunindo países que tenham mesmo interesse. Ou que buscam proteção econômica distante de superpotências. Cujo declínio é inevitável. Diante do novo formato de poder regionalizado.

O BRICS já tem PIB maior que os EUA. Constitui, hoje, bloco com expressão tecnológica e militar. E funciona na área do planeta que tem o maior dinamismo produtivo: o Pacífico asiático. Por sua vez, a Europa é um projeto de soft power. Que atrai turistas com o fascínio do arrebol da Toscana, da arte universal do Louvre e da Beethoviana Sinfônica da Berlim.

A nova ordem terá um curto prazo de ganhos. Breves. E um médio prazo de perdas. Definitivas. Os ganhos breves virão com a receita decorrente de política tarifária. Abrupta e inamistosa com antigos aliados. E apressada com novos parceiros. Esses ganhos vão se diluir com a inflação decorrente do desequilíbrio fiscal. Em consequência do elevado endividamento público do Tesouro americano. Agravado com a peça orçamentária que chegou ao Congresso.

Por outro lado, as perdas definitivas virão com o crescente isolamento de ex-parceiro. Que transformou o Salão Oval em armadilha de humilhações. Alterando a regra básica de acolhimento aos visitantes. Em choque de constrangimentos. O ingrediente essencial da amizade é a confiança. Artigo que está rareando em Washington.

Então, chegou a vez do sabiá-laranjeira. Chantageado com apoio de um clã político. Que trocou a lealdade nacional por um projeto de anistia. Familiar. Ilegal na origem. E amoral no destino. Como se o Brasil fosse um negócio. E a cabeça de ministros da Corte Suprema fossem peças de um mostruário.
Esse episódio ficará assinalado pela desonra. Capaz de penetrar nos gabinetes mais poderosos. E que já foram dignamente ocupados por homens como Abraão Lincoln e Franklin Roosevelt. Capaz de ser manipulada por agentes que desvirtuaram seu mandato (plural por natureza) em singular aspiração filial. Num estado de políticos com a envergadura de Franco Montoro e Mario Covas.         

Moral da história: minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá. E o sabiá, sabiá-laranjeira, tem canto e soberania. Declama a beleza tropical. E sabe voar. Faz de sua história estandarte de fé no futuro.    
 


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