Justiça

Entenda como funcionava esquema de pagamento de propinas pela Ultrafarma e Fast Shop

Operação Ícaro cumpriu 19 mandados de busca e apreensão nesta manhã

O empresário Sidney Oliveira, da Utrafarma, foi preso nesta terça-feira - Divulgação

O empresário Sidney Oliveira, dono da rede de farmácias Ultrafarma, foi preso na manhã desta terça-feira em São Paulo, durante a Operação Ícaro, do Ministério Público de São Paulo (MPSP).

A ação mira um esquema de corrupção envolvendo auditores fiscais tributários da Secretaria da Fazenda paulista, suspeitos de favorecer empresas do varejo em troca de propina. Também foi detido Mário Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop, rede especializada no comércio de eletrodomésticos e eletrônicos.

Passo a passo do esquema
Autenticação no sistema da Sefaz como se fosse a empresa: de posse do certificado digital da Ultrafarma, o fiscal acessava o portal da Secretaria da Fazenda usando a identidade eletrônica da companhia, fazendo com que suas ações fossem registradas como se fossem da própria empresa;

Abertura do pedido: já dentro do sistema, solicitava o reconhecimento ou a liberação de créditos tributários;

Aprovação acelerada: aprovava ou encaminhava os pedidos para tramitação prioritária, fugindo do fluxo normal de análise.

Segundo o MPSP, a investigação conduzida pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão aos Delitos Econômicos (GEDEC) identificou um grupo criminoso responsável por favorecer empresas do setor varejista em troca de vantagens indevidas.

Ao todo, foram cumpridos 19 mandados de busca e prisão temporária, incluindo o de Arthur Gomes da Silva Neto, supervisor da Diretoria de Fiscalização (Difis) e apontado como o principal operador.

Como funcionava o esquema
De acordo com o Ministério Público, o esquema usava a empresa Smart Tax, registrada no nome da mãe de Neto e sem funcionários, cuja sede era a casa do auditor, em Ribeirão Pires.

No segundo semestre de 2021, a Smart Tax passou a movimentar valores elevados, recebendo dezenas de milhões de reais exclusivamente da rede varejista Fast Shop. Em 2022, os repasses dessa mesma empresa chegaram a pouco mais de R$ 60 milhões.

Após a quebra do sigilo fiscal, a Receita Federal identificou que a Smart Tax recebeu da Fast Shop, em valores brutos, mais de R$ 1 bilhão.

Essas transações eram registradas por meio de emissão de notas fiscais e recolhimento de ICMS, dando aparência de legalidade aos serviços, explicou o promotor de Justiça Roberto Bodini.

— A mãe de um auditor fiscal, de uma idade já pouco avançada, sem a capacidade técnica para prestar qualquer tipo de assessoria tributária, sendo a proprietária de uma empresa de consultoria tributária e prestando serviços cujos honorários são milionários para grandes empresas do varejo. Essa constituição e esses recebimentos são comprovados através de emissão de notas fiscais. Essas emissões geraram recolhimento de ICMS, tudo feito, a não ser pela ilicitude do mérito, formalmente, tudo de maneira correta.

As investigações indicam que o mesmo tipo de “serviço” prestado pelo fiscal à Fast Shop também era realizado para a Ultrafarma. O esquema envolvia todas as etapas do processo de ressarcimento de créditos de ICMS: desde a coleta de notas fiscais e demais documentos necessários, passando pela elaboração e protocolo do pedido na Secretaria da Fazenda (Sefaz), até o acompanhamento e deferimento final

De acordo com Ricupero, o fiscal detinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para acessar o sistema da Sefaz e fazer os pedidos em nome da empresa. As investigações revelam que, em alguns casos, o fiscal conseguia liberar créditos muito acima do que a empresa realmente havia apurado, além de obter a aprovação de forma mais rápida do que seria possível pelo trâmite normal.

Bodini disse ainda que outras empresas do setor teriam relação com esse mesmo esquema. Ele explicou que, graças à quebra de sigilo telemático do auditor fiscal, foi possível confirmar que essas companhias também realizaram pagamentos dentro da mesma estratégia investigada.

O que dizem os envolvidos
Procurada, a Ultrafarma ainda não retornou ao pedido do Globo. A Fast Shop informou que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação, e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades competentes.

A Sefaz disse ter instaurado um procedimento administrativo para apurar a conduta do servidor envolvido e solicitou formalmente ao MPSP o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.

"A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema", concluiu.

Procurada pelo Globo, a defesa de Sidney Oliveira ainda não se manifestou.