Justiça

Além de Ultrafarma e Fast Shop, MP investiga se OXXO e Kalunga se beneficiaram de esquema criminoso

De acordo com investigação, fiscais que aceitavam propina para agilizar a restituição indevida de créditos tributários prestaram serviços às empresas

Oxxo - MP cita nos autos um e-mail trocado entre o supervisor envolvido no esquema e a Smartax, empresa pela qual recebia as propinas, - Oxxo/Divulgação

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) investiga se outras empresas, além da Ultrafarma e da Fast Shop, se beneficiaram de um esquema criminoso envolvendo auditores fiscais do Departamento de Fiscalização da Secretaria da Fazenda do Estado (Sefaz). Entre as companhias citadas nas apurações estão Allmix Distribuidora, Rede 28 Postos de Combustíveis, Kalunga e o Grupo Nós (dono da OXXO).

Documento do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel, à Lavagem de Dinheiro e à Recuperação de Ativos Financeiros (GEDEC) do MP-SP afirma que o supervisor Artur Gomes da Silva Neto, apontado como líder do esquema, “também vem recebendo propina por parte de outras grandes empresas para beneficiá-las em questões tributárias [...] A título de exemplo, vale citar a Ultrafarma Saúde Ltda., Allmix Distribuidora (empresa de utilidades), Rede 28 Postos de Combustíveis, OXXO, dentre outras”.

Em relação à Kalunga, o documento do GEDEC aponta que a Diretoria de Fiscalização da Sefaz recusou um arquivo digital enviado pela empresa, o que seria um indicativo que “a empresa também vem se beneficiando” do esquema — no qual o fiscal manipulava processos para liberar créditos tributários de ICMS de maneira indevida para as companhias.

No caso da OXXO, o MP cita nos autos um e-mail trocado entre o supervisor envolvido no esquema e a Smartax, empresa pela qual recebia as propinas, com documentos anexados relativos a "serviços" de consultoria tributária prestados à varejista.

Procurada, a Sefaz informou ter instaurado um procedimento administrativo para apurar a conduta do servidor envolvido e solicitou formalmente ao MP-SP o compartilhamento de todas as informações pertinentes ao caso.

As empresas Allmix Distribuidora, Rede 28 Postos de Combustíveis, Kalunga e o Grupo Nós (dono da OXXO) também foram contatadas, mas ainda não enviaram posicionamento. O espaço segue aberto para as manifestações das marcas.

A Operação Ícaro, deflagrada nesta terça-feira pelo MP-SP, prendeu o empresário Sidney Oliveira, dono da rede de drogarias Ultrafarma; Mario Otávio Gomes, diretor estatutário do grupo Fast Shop, rede especializada em eletrodomésticos e eletrônicos; além do próprio Arthur Gomes da Silva Neto e de Marcelo de Almeida Gouveia, também auditor da pasta.

"A administração fazendária reitera seu compromisso com os valores éticos e justiça fiscal, repudiando qualquer ato ou conduta ilícita, comprometendo-se com a apuração de desvios eventualmente praticados, nos estritos termos da lei, promovendo uma ampla revisão de processos, protocolos e normatização relacionadas ao tema", concluiu.

Procurada pelo Globo, a defesa de Sidney Oliveira ainda não se manifestou. A Ultrafarma ainda não retornou ao pedido do Globo.

A Fast Shop informou que ainda não teve acesso ao conteúdo da investigação e está colaborando com o fornecimento de informações às autoridades competentes.

Como funcionava o esquema
De acordo com o Ministério Público, o esquema funcionava por meio da empresa Smart Tax, registrada em nome da mãe de Neto.

A empresa não tinha nenhum outro funcionário e sua sede era a residência do auditor, em Ribeirão Pires, onde foi preso nesta manhã. Até meados de 2021, a Smart Tax não apresentava qualquer atividade operacional.

No segundo semestre de 2021, a Smart Tax passou a movimentar valores elevados, recebendo dezenas de milhões de reais exclusivamente da rede varejista Fast Shop. Em 2022, os repasses dessa mesma empresa chegaram a pouco mais de R$ 60 milhões.

Após a quebra do sigilo fiscal, a Receita Federal identificou que a Smart Tax recebeu da Fast Shop, em valores brutos, mais de R$ 1 bilhão.

Essas transações eram registradas por meio de emissão de notas fiscais e recolhimento de ICMS, dando aparência de legalidade aos serviços, disse o promotor de Justiça Roberto Bodini.

— A mãe de um auditor fiscal, de uma idade já pouco avançada, sem a capacidade técnica para prestar qualquer tipo de assessoria tributária, sendo a proprietária de uma empresa de consultoria tributária e prestando serviços cujos honorários são milionários para grandes empresas do varejo. Essa constituição e esses recebimentos são comprovados através de emissão de notas fiscais. Essas emissões geraram recolhimento de ICMS, tudo feito, a não ser pela ilicitude do mérito, formalmente, tudo de maneira correta.

As investigações indicam que o mesmo tipo de “serviço” prestado pelo fiscal à Fast Shop também era realizado para a Ultrafarma. O esquema envolvia todas as etapas do processo de ressarcimento de créditos de ICMS: desde a coleta de notas fiscais e demais documentos necessários, passando pela elaboração e protocolo do pedido na Secretaria da Fazenda (Sefaz), até o acompanhamento e deferimento final.

De acordo com o promotor de Justiça João Ricupero, o fiscal detinha até mesmo o certificado digital da Ultrafarma para acessar o sistema da Sefaz e fazer os pedidos em nome da empresa. As investigações revelam que, em alguns casos, o fiscal conseguia liberar créditos muito acima do que a empresa realmente havia apurado, além de obter a aprovação de forma mais rápida do que seria possível pelo trâmite normal.

Bodini disse ainda que outras empresas do setor teriam relação com esse mesmo esquema. Ele explicou que, graças à quebra de sigilo telemático do auditor fiscal, foi possível confirmar que essas companhias também realizaram pagamentos dentro da mesma estratégia investigada.