Esquema de Ultrafarma e Fast Shop: entenda como os auditores investigados por propina agiam
Investigação aponta que empresas conseguiam furar fila na concessão de créditos tributários e, em alguns casos, valores a receber eram inflados
A Operação Ícaro, deflagrada na terça-feira pelo Ministério Público de São Paulo, revelou um esquema de pagamento de propina a auditores fiscais tributários no Departamento de Fiscalização da Secretaria de Fazenda de São Paulo. A investigação identificou atuação destes profissionais em fraude a favor de varejistas como a rede de farmácias Ultrafarma e a Fast Shop, de eletrodomésticos e eletroeletrônicos. Mas como os auditores agiam?
Na terça-feira, foi decretada prisão temporária por cinco dias do supervisor da Diretoria de Fiscalização (Difis) da Secretaria de Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), Artur Gomes da Silva Neto, apontado como principal operador do esquema, e Marcelo de Almeida Gouveia, que também atuava na pasta.
De acordo com a investigação, os auditores agiam em duas frentes: eles ajudavam as empresas a furar a fila para receber créditos tributários de ICMS, acelerando processos, e, em alguns casos, inflavam o valor que a companhia tinha direito a receber. No caso de Silva Neto, foi constatado que o auditor recebeu mais de R$ 1 bilhão no pagamento de propinas.
Propina de R$ 1 bilhão
Para garantir essa "prestação de serviços", eles recebiam pagamento de propina a título de consultoria prestada pela empresa Smart Tax, que estava registrada no nome da mãe de Silva Neto. O salto no patrimônio da empresa, que passou de R$ 411 mil em 2021 para R$ 2 bilhões em 2023 foi justamente o que despertou a atenção dos investigadores.
De acordo com os autos do Ministério Público de São Paulo, o fiscal orinetava membros da empresa em relação a pedidos de ressarcimento de ICMS-ST (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - Substituição Tributária), compilava documentos para a empresa que deveriam ser enviados à Sefaz-SP, o que agilizava o processo e, em alguns casos, era o próprio agente público responsável por autorizar a concessão do crédito.
A obtenção de créditos acumulados de ICMS pelas empresas junto aos estados é um processo burocrático e normalmente demorado. Ele depende de muitos documentos entregues pelas empresas e da fiscalização das secretarias de Fazenda estaduais, o que pode levar anos.
Créditos bilionários
O crédito de ICMS é o valor que a empresa pode descontar do imposto a pagar sobre suas vendas. Ele leva em conta o ICMS que já foi pago em etapas anteriores da produção e pode ser usado para compensar outros débitos em operações da própria empresa. Já o chamado crédito acumulado das empresas, que precisa ser reconhecido pela secretaria de fazenda estadual, pode ser vendido a terceiros e monetizado, mediante aprovação da Sefaz.
Não se sabe ainda quanto as empresas levantaram em crédito de ICMS. No estado de São Paulo, a estimativa é que os créditos acumulados somem entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões, segundo advogados ouvidos pelo Globo. Mas um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), de 2023, com 300 empresas, mostrou que elas tinham um volume de crédito acumulado de quase R$ 40 bilhões.
Uso de identidade eletrônica
No caso da Ultrafarma, os autos indicam que os auditores usavam a identidade eletrônica da empresa para registrar pedidos como se fossem a própria companhia. O dono da Ultrafarma, Sidney Oliveira, teve prisão temporária decretada na terça-feira.
Em outro caso investigado na Operação Ícaro, o MPSP afirma que os auditores prestaram "assessoria tributária criminosa" à Fast Shop. O diretor estatutário da empresa Mário Otávio Gomes também teve prisão temporária decretada ontem. No caso da varejista de eletroeletrônicos, os autos do MPSP indicam que os auditores agiam em conluio com inúmeros membros da alta cúpula da empresa.
Procurados, a defesa dos empresários e das empresas não comentou o assunto até a publicação desta reportagem. A Fast Shop informou que não teve acesso ao conteúdo da investigação e colabora com o fornecimento de informações às autoridades.