Milton Hatoum, um dos mais consagrados autores do país, é eleito para a cadeira 6 da ABL
Traduzido em 17 países, escritor manauara vendeu meio milhão de livros e lançará novo título, "Dança dos enganos", em outubro
Até pouco, Milton Hatoum não planejava entrar na Academia Brasileira de Letras. Tímido e pouco afeito a rituais e cerimônias, o manauara achava que não tinha perfil para ocupar uma cadeira na instituição. Uma conversa com a acadêmica Ana Maria Machado, assim como o incentivo de diversos amigos nos últimos dois anos, fizeram Hatoum, um dos mais consagrados e premiados escritores contemporâneos, mudar de ideia sobre a imortalidade.
O escritor aceitou o convite para se candidatar e, na tarde desta quinta-feira (14), foi eleito com 33 dos 34 votos possíveis para a cadeira 6 da ABL, e ocupará a vaga que foi do jornalista Cícero Sandroni, morto em junho. Favorito absoluto na disputa, ele não teve dificuldade em conquistar o voto dos acadêmicos, que não precisaram de meia hora para escolhe-lo entre os demais candidatos, Eduardo Baccarin-Costa, Cezar Augusto da Silva, Antônio Campos, Paulo Renato Ceratti e AngelosD’Arachosia.
Pouco antes da confirmação do pleito, Hatoum ainda se dizia "incrédulo" com sua candidatura:
— A minha timidez atávica, talvez herança de amazonense, me distancia um pouco dos rituais — disse o escritor, em uma sala do escritório da editora Companhia das Letras, que publica as suas obras, no centro do Rio. — Meu ritual é a escrita, que exerço todos os dias.
O que motivou, então, o autor de "Dois irmãos" a buscar uma vaga na Casa de Machado de Assis?
— A Academia me interessa como uma instituição de memória, de proteção à literatura brasileira e de abertura ao público — explica ele. — Como dizia Bandeira, a memória só faz sentido quando vibra no tempo presente. Discussões sobre o que acontece hoje no Brasil cabem muito bem na pauta da Academia. Estamos sempre na iminência de retrocessos perigosos, de um tempo obscuro. É fundamental proteger as instituições brasileiras, porque há ameaças no ar. E a Academia tem um corpo de intelectuais capaz de responder a isso com um discurso elevado, digno e contundente.
Outro incentivo foi a democratização da ABL, que vem abrindo suas portas para o público em eventos e conferências, assim como o esforço da instituição em tornar o quadro de membros efetivos mais representativo, com mais mulheres, negros e indígenas.
"A Academia não é uma instituição cristalizada, voltada para si mesma. Ela está aberta ao público, e acho fundamental criar relações estreitas e profundas com a sociedade, não apenas carioca, mas brasileira. É importante levar a Academia para outros lugares"
A eleição coincidiu com o do anúncio de seu novo romance, "Dança dos enganos". O volume final da sua trilogia "O lugar mais sombrio" será lançado pela sua editora, a Companhia das Letras, no dia 21 de outubro.
Romancista, contista, ensaísta, tradutor e professor universitário, Hatoum lançou oito títulos, que venderam juntos meio milhão de livros e ganharam publicação em 17 países. Nascido em Manaus, em 1952, ele estreou na ficção em 1989, com "Relato de um certo Oriente", vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance.
Na sequência, publicou "Dois irmãos" (2000), um grande sucesso editorial que virou série da TV Globo em 2017. Com "Cinzas do Norte" (2005), Hatoum venceu novamente o Jabuti (dessa vez com o Livro do Ano), além dos prêmios Bravo!, APCA e Portugal Telecom. O Amazonas é cenário da maior parte de sua obra, servindo como pano de fundo para narrativas que exploram memória, família, política e identidades em conflito.
Em 2017, Hatoum iniciou a trilogia "O lugar mais sombrio" com o romance "A noite da espera". A obra foi uma espécie de adeus ao seu Amazonas natal, transportando a ação para Brasília, São Paulo e Paris nos anos de chumbo da ditadura militar. O segundo livro, "Pontos de fuga", foi lançado em 2019.
A série de três romances não é autobiográfica, mas percorre cidades que fizeram parte da vida do autor. Em Brasília, Hatoum viveu parte da juventude, estudou arquitetura e testemunhou o clima político e cultural dos anos 1970, experiência que impregna a atmosfera da narrativa.
Entre 1981 e 1983, o escritor cursou mestrado em literatura latino-americana na capital francesa. São Paulo está na juventude e maturidade de Hatoum: ele estudou arquitetura e urbanismo na USP no início dos anos 1970, quando foi perseguido pelo DOPS por participar do movimento estudantil. Em 1999, ele se mudou de vez para a capital paulista.
"O lugar mais sombrio" acompanha um grupo de jovens estudantes no final dos anos 1960 e quase toda a década de 1970. O personagem central é Martim, um jovem paulistano que se muda para Brasília após o divórcio abrupto dos pais e enfrenta os anos mais tumultuados da ditadura. No novo livro, Hatoum se debruça sobre a trajetória de Lina, mãe do protagonista.