Mãe adolescente, investidora e filantropa: conheça Jackie, mãe de Jeff Bezos, que morreu aos 78
Mãe de um dos homens mais ricos do mundo, ela assinou o primeiro cheque para financiar a varejista on-line. E completou uma trajetória extraordinária
Em 2000, quando ainda era considerado uma estrela em ascensão no mundo da tecnologia, o empresário Jeff Bezos exibiu em uma palestra na PC Explo, em Nova York, a lista de desejos de consumo de sua mãe, Jackie Bezos, na Amazon.com. A intenção dele era explicar com um exemplo completo como era fácil pedir presentes adequados aos amigos no aniversário usando os recursos de sua varejista on-line.
— Uma câmera Casio por US$ 999,99? — apontou Bezos, buscando arrancar risos da plateia. — É melhor deixar que ela mesma compre.
Mas, ao ver que ela também queria walkie talkies de bolso da Motorola a US$ 109,99 cada, ele clicou e encomendou um.
— Você tem que comprar dois — gritou alguém da plateia.
— Esse é um ótimo ponto — respondeu ele, encomendando um segundo. — Minha mãe será eternamente grata a você.
A cena foi descrita na época numa reportagem do New York Times. Em 25 anos, a Amazon se tornou uma das maiores empresas do mundo e fez do filho de Jackie um bilionário, que muitas vezes esteve na liderança da seleta lista de homens mais ricos do mundo e não saiu mais do top 10. Hoje em dia ele tem dinheiro para comprar não só quantas câmeras quiser, mas até mesmo patrocinar a construção de foguetes para levar turistas ao espaço.
Ao longo de toda a sua trajetória, muito antes de ser um promissor empresário do mundo da tecnologia, Bezos teve em sua mãe não só um exemplo, mas um apoio. Muitas vezes, esse apoio foi fundamental em sua vida, como ele reconheceu ontem ao comentar a morte dela.
Jackie Bezos, descrita pela agência Bloomberg como uma defensora ferrenha de seu filho, morreu hoje aos 78 anos, em sua casa, em Miami. Segundo o site da Fundação Família Bezos. Em uma homenagem nas redes sociais, Jeff Bezos, de 62 anos, escreveu que sua mãe faleceu “cercada por tantos de nós que a amávamos”, após “uma longa luta contra uma doença degenerativa".
Mãe adolescente de um dos homens mais celebrados do mundo da tecnologia, ela deixa o registro de uma vida extraordinária.
Com o marido, Miguel, Jackie foi a primeira a investir na Amazon. Seus dois cheques, totalizando US$ 245.573 em 1995, apoiaram a startup que Jeff Bezos alertara que provavelmente fracassaria. Não fracassou, claro, e o investimento – junto com compras subsequentes de ações da Amazon – rendeu-lhes uma fortuna estimada em até US$ 30 bilhões em 2018.
A partir de 2000 — décadas antes de o filho ou a empresa lançarem suas próprias iniciativas filantrópicas —, o casal financiou programas educacionais por meio da Fundação Família Bezos. Durante anos, foi a instituição de caridade de maior perfil a doar uma parte da fortuna criada pelo gigante do comércio eletrônico.
“No centro do trabalho da fundação está a crença de Jackie de que uma aprendizagem rigorosa e inspiradora — na sala de aula e nas centenas de interações diárias das crianças com adultos — permitirá que estudantes, do nascimento ao ensino médio, coloquem sua educação em prática”, diz a organização em seu site.
Afirma ainda que sua “visão” está por trás de dois programas internos — o Vroom, que dissemina dicas de paternidade por meio de um aplicativo e outros métodos, e o Bezos Scholars Program, que escolhe 17 jovens americanos e africanos para treinamento anual em um programa de desenvolvimento de liderança.
A fundação apoiou centenas de outras organizações, principalmente voltadas para crianças e jovens. Fez sua maior doação única em agosto de 2024 — US$ 185,7 milhões ao Aspen Institute para financiar um novo centro focado em jovens.
Gravidez na adolescência
Jacklyn Marie Gise nasceu na Virgínia em 29 de dezembro de 1946. Cresceu no Novo México, onde seu pai, Lawrence Preston Gise, era alto funcionário da Comissão de Energia Atômica dos EUA, agência que então supervisionava os laboratórios nucleares americanos.
Durante o segundo ano do ensino médio em Albuquerque, quando tinha apenas 16 anos, engravidou de Theodore Jorgensen, aluno do último ano. Casaram-se em 1963 e seu filho, Jeffrey Preston Jorgensen, nasceu em janeiro seguinte. Jacklyn, conhecida como Jackie, voltou a morar com os pais e pediu o divórcio de Jorgensen quando o filho tinha apenas 17 meses.
Jorgensen, jogador de polo em monociclo que mais tarde administraria uma loja de bicicletas, reconheceu que não era um bom pai ou marido. Ele morreu em 2015.
Mãe e recém-separada, Jackie concluiu o ensino médio sob condições impostas pelos administradores da escola: não falar com colegas, não permanecer no campus nem participar da formatura. Mais tarde ingressou em um colégio comunitário, buscando professores que permitissem que levasse um bebê para a sala de aula.
Segundo casamento
Foi nessa época, trabalhando no departamento de contabilidade do Bank of New Mexico, que conheceu Miguel Bezos, conhecido como Mike, um estudante universitário cubano que trabalhava como caixa noturno no banco.
Ele havia chegado aos EUA aos 16 anos, como refugiado entre milhares de outras crianças enviadas para o país após a revolução de Fidel Castro. Segundo o livro de Stone, Jackie o recusou várias vezes antes de finalmente aceitar sair para um encontro, para assistir ao filme "A Noviça Rebelde".
Casaram-se em abril de 1968 e se mudaram para o Texas, onde Mike assumiu um cargo como engenheiro de petróleo na empresa que viria a se tornar a Exxon Corp. Tiveram dois filhos: Christina, em 1969, e Mark, em 1970.
Jeff, que não tinha relação com seu pai biológico, foi então adotado por Miguel e passou a usar o sobrenome Bezos.
Programa para o filho superdotado
Jackie “mantinha uma casa repleta de jogos de tabuleiro, projetos de ciência e contação de histórias”, escreveu Mark Leibovich em "The New Imperialists" (2002), seu livro perfilando Jeff Bezos e outros titãs dos negócios do século 21.
Jackie era uma “protetora de primeira ordem e um sistema de apoio multifuncional” para Jeff, escreveu Leibovich.
Em um exemplo, Jackie conseguiu colocar Jeff — uma criança curiosa que aos 3 anos desmontou as paredes do berço para poder dormir em uma cama — em um programa-piloto para alunos superdotados em uma escola primária de Houston. Fez o mesmo quando a família mais tarde se mudou para Pensacola, Flórida.
Ela alimentava as paixões de Jeff, levando-o regularmente à Radio Shack para que pudesse mexer com eletrônicos caseiros.
Mike Bezos subiu na carreira na Exxon, mudando a família para Miami, onde Jeff terminou o ensino médio. O trabalho posterior levou ele e Jackie para a Noruega e a Colômbia.
Durante um período em Nova Jersey, Jackie, então com 40 anos, concluiu o ensino superior no College of Saint Elizabeth (hoje Saint Elizabeth University), em Morris Township.
Investimento em Jeff
Quando Jeff abandonou o emprego em um hedge fund de Nova York para fundar a Amazon perto de Seattle, seus pais investiram grande parte de suas economias na empresa — decisão que mais tarde diriam ter sido uma aposta no filho, e não nas perspectivas de uma livraria on-line.
Quando a Amazon se tornou uma queridinha de Wall Street após sua oferta pública inicial em 1997, Jackie ia a bancas de jornal para encontrar reportagens sobre o filho e deixava a revista aberta naquela página, escreveu Leibovich.
Em 2000, Jackie e Mike, já aposentado da Exxon, mudaram-se para a região de Seattle para ficarem mais próximos da família em crescimento de Jeff.
Em Seattle, Jackie Bezos escrevia artigos ocasionais no jornal local, defendendo a educação infantil. Ela e Mike doaram em apoio a uma iniciativa de voto que acabou sendo bem-sucedida, estabelecendo escolas charter estaduais em Washington, e contra uma proposta de implementação de imposto de renda no estado. Os eleitores rejeitaram o imposto.
O casal foi doador frequente do Fred Hutchinson Cancer Center, em Seattle, incluindo uma doação de US$ 710 milhões em 2022 feita fora da fundação. Mantiveram casas no Colorado e no Texas e, nos últimos anos, passaram grande parte do tempo vivendo em Miami.