CINEMA

Vencedor do Urso de Prata, filme pernambucano "O último azul' abre o Festival de Gramado

Diretor Gabriel Mascaro destaca força do cinema pernambucano e fala sobre possibilidade de representar o Brasil no Oscar: 'O filme que está à disposição da indústria brasileira'

Rodrigo Santoro e Denise Weinberg em 'O último azul', de Gabriel Mascaro - Divulgação / Guillermo Garza

O cinema americano popularizou mundialmente o gênero “coming of age”, que são os chamados filmes de amadurecimento que geralmente englobam comédias ou romances sobre a transição entre a adolescência e o início da vida adulta.

Por sua vez, a velhice é muitas vezes sub-representada em cena. E quando presente, geralmente é associada à ideia de finitude. Foi essa dicotomia que interessou Gabriel Mascaro no desenvolvimento de “O último azul”, que abre hoje a 53ª edição do Festival de Cinema de Gramado, na Serra Gaúcha.

O longa chega ao Brasil após uma trajetória de sucesso em festivais internacionais. Em fevereiro, foi premiado com o Urso de Prata de Grande Prêmio do Júri no tradicional Festival de Berlim.

A trama acompanha Tereza (Denise Weinberg), uma mulher de 77 anos que mora numa cidade industrializada na Amazônia e que recebe a convocação do governo para se mudar para uma colônia habitacional compulsória, na qual os idosos passam seus últimos anos de vida sem “preocupar” a juventude produtiva do país. Rodrigo Santoro, Adanilo e Miriam Socarrás completam o elenco principal.

— Quando meu avô morre, minha avó começa a pintar aos 80 anos. Todo mundo pensou que ela fosse definhar, mas ela descobriu uma nova pulsão pela vida, um recomeço. Foi um sentimento que me tocou — lembra o cineasta em entrevista ao Globo via Zoom. — São raros os filmes com protagonismo idoso. E os que existem trazem esse corpo em paz, como alguém que guarda as memórias da família. Queria mostrar um corpo rebelde e dissidente, que ainda deseja, que passasse por sua própria jornada “coming of age” na forma desse filme de viagem meio distópico.

 

Mascaro iniciou sua trajetória com documentários como “Um lugar ao sol” (2009) e “Doméstica” (2012) antes de se enveredar para o cinema de ficção em obras como “Boi neon” (2015) e “Divino amor” (2019).

— Tenho me lançado numa jornada mais forte pela ficção e tem sido muito gostoso e despretensioso. Eu vou experimentando, pego o que gosto, o que me ficou engasgado, e me lanço para investigar — conta o diretor pernambucano de 41 anos, que usa da distopia para falar de algo muito real. — O filme tem tocado audiências pelo mundo porque fala de algo comum a todos. Todos temos um idoso na família e sabemos que vamos envelhecer. O filme oferece uma maneira singular e lúdica para este tema, e aponta que nunca é tarde pra redescobrir a vida.

Um dos grandes nomes do teatro brasileiro, Denise Weinberg comemora o encontro com Mascaro e, aos 69 anos, a oportunidade de viver uma grande protagonista no cinema.

— Quando li o roteiro, fiquei louca. É uma obra com muita camada, com muita coisa para discutir. Fala sobre o etarismo, um tema muito atual. O velho na sociedade, especialmente na ocidental capitalista, não serve mais pra nada — afirma Weinberg. — Eu sou idosa, mas graças a Deus trabalho, estou sempre com jovens, e a arte me salvou nesse sentido. Porque, para quem se aposenta e fica em casa, vendo televisão, isso é uma morte.

Tanto o diretor quanto a atriz destacam a importância da trama ser passada na Amazônia. Mascaro, destaca, inclusive, que a grande maioria dos atores em cena são da região.

— Acho que existe essa descartabilidade do idoso em boa parte do Brasil, não se pode envelhecer, não se pode ter rugas, é preciso fazer procedimentos. Isso é uma loucura. Mas vejo o oposto entre os povos indígenas, onde os idosos são grandes pajés, grandes sábios — aponta Weinberg.

De olho no Oscar
Após a exibição em Gramado, “O último azul” estreia nos cinemas brasileiros no próximo dia 28. Em setembro, o longa será exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto e também buscará a vaga como representante brasileiro a uma indicação ao Oscar de melhor filme internacional, buscando repetir o feito de “Ainda estou aqui”, vencedor da categoria em 2025.

Amigo e conterrâneo de Kleber Mendonça Filho, Mascaro não quer saber de qualquer tipo de competitividade com “O agente secreto”, filme com Wagner Moura premiado no Festival de Cannes

— “O último azul” começa com muita força no Festival de Berlim, onde foi condecorado com o Urso de Prata. É um filme que está à disposição da indústria brasileira e se nos escolherem, iremos trabalhar com toda energia. Assim como acho que se escolherem “O agente secreto” também teremos um grande representante. Foi o primeiro ano em que tivemos dois filmes premiados nos principais festivais internacionais, então vai ser uma escolha difícil pro comitê (da Academia Brasileira de Cinema), com dois filmes fortes. Mas ao mesmo tempo, é uma celebração desse momento do cinema brasileiro.

Força pernambucana
Além de comemorar o “super momento do cinema nacional”, Mascaro destaca a particular força do cinema pernambucano, que vem se popularizando nas duas últimas décadas a partir de nomes como ele, Mendonça Filho, Marcelo Gomes, Hilton Lacerda, Lírio Ferreira, Cláudio Assis, dentre outros.

— Antes, quem quisesse fazer cinema precisava ir para São Paulo ou para o Rio. Acho que somos a primeira geração que teve o privilégio de ficar em Pernambuco e continuar fazendo filme — comemora Mascaro, que destaca a importância de políticas regionais de incentivo. — Com muita inventividade, foram surgindo autores que, a sua maneira, foram fazendo suas loucuras e sempre dialogando com o público. E o curioso é que cada um tem sua viagem no cinema pernambucano. O meu cinema não tem nada a ver com o do Kleber, que não tem nada a ver com o do Marcelo. Nos encontramos no desejo de fazer filmes e na torcida de um pelo outro.