ESPORTES

Mundial de Ginástica só chegou à América do Sul com "jeitinho brasileiro" e "parcelamento de dívida"

Ideia de trazer o campeonato ao país surgiu após decisão polêmica dos juízes na final do Mundial de Valência, em 2023, em que o Brasil ficou em quarto lugar

Conjunto do Brasil em apresentação no Mundial de Valência de Ginástica Rítmica: decisão polêmica dos juízes - Ricardo Bufolin/Divulgação CBGin

O Mundial de Ginástica Rítmica será disputado pela primeira vez na história em uma cidade do Hemisfério Sul: o Rio de Janeiro. E essa façanha só foi alcançada com o "jeitinho brasileiro". É que ao protocolar a candidatura para receber a competição, o país postulante precisa pagar uma taxa de cerca de R$ 2,2 milhões, além de um caução de cerca de R$ 335 mil para a Federação Internacional de Ginástica (FIG). E o Brasil não tinha esse dinheiro.

— É por isso que nunca teve Campeonato Mundial na América do Sul. Qual o país que tem esse dinheiro sobrando? — pergunta Ricardo Resende, presidente do Comitê Organizador Local, vice-presidente da Confederação Sul-americana de Ginástica e diretor geral da Confederação Brasileira de Ginástica.

Ele conta que o Brasil só conseguiu ser escolhido após união de países da América do Sul e parcelamento da quantia. O pagamento deveria ter sido feito à vista ao final do ano de 2023, mas a CBG só quitou a dívida dois meses antes da realização do evento, em junho.

 
 
 
 
 
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— Foi parcelado e do jeito brasileiro, empurrando com a barriga porque a gente não tinha esse dinheiro. Começamos a ser cobrados pela FIG para o pagamento das taxas e tivemos de pedir mais tempo. Foi quando surgiu o apoio da Vale (R$ 1 milhão), que nos ajudou com parte da quantia. Pagamos a FIG e pedimos mais prazo para o restante. A cada parcela vencida a gente pedia mais um mês, mais dois meses. Aquela coisa... Só quitamos dois meses antes do Mundial, com a ajuda do COB (Comitê Olímpico do Brasil, R$ 500 mil) — declarou Resende, que nesse momento teve apoio também do Ministério do Esporte (R$ 500 mil) e da Caixa Econômica Federal (R$ 550 mil), que é patrocinadora da entidade.

 

Resende conta que a ideia de trazer a competição para o Brasil surgiu após uma decisão polêmica dos juízes na final da série simples do Campeonato Mundial de Valência, em 2023. Brasil e Itália empataram na terceira colocação e por decisão dos juízes, as italianas ficaram com o bronze e o Brasil em quarto lugar. 

— Camila Ferezin (técnica do conjunto) disse que fazia questão de olhar no olho de cada árbitro porque não admitia o que tinham feito com o Brasil. Nesse dia falamos de trazer o Mundial para cá para ver se uma coisa dessas aconteceria na nossa casa — lembra Resende. — Nosso esporte é de nota, é subjetivo. São seres humanos dando as notas e todo o clima da competição contabiliza, ajuda na nota final.

Em Valência, o Brasil ficou em quarto lugar na série simples (que era com cinco arcos), 11.º na série mista (três fitas e duas bolas) e em sexto lugar no geral (soma das duas apresentações) — no ano anterior, em Sófia, também beliscou o pódio da série simples, terminando em quarto e em quinto lugar no geral.

No conjunto, a GR é composta por duas provas que mudam a cada ciclo olímpico: uma mista, com dois aparelhos, e outra com um único aparelho. Nos Jogos Olímpicos, há somente um pódio, para a soma duas séries. Mas, em todo o calendário internacional, são três: um para cada série e o da soma das séries. 

União sul-americana
Segundo Resende, a ideia inicial era trazer o Mundial de 2026 para o Brasil. Mas, sem dinheiro para as taxas, viu a Alemanha, que pagou a quantia à vista, levar o torneio para Berlim. Como a sede do Mundial de 2027 também já está definida (Baku, no Azerbaijão), só restava a edição de 2025. 

— Todo mundo achava que era loucura, muito em cima. Se não tínhamos dinheiro para 2026, imagine para 2025. Mas não desistimos. Protocolamos a candidatura e montamos uma estratégia. 

Ele se reuniu com representantes das federações internacionais da modalidade da América do Sul e propôs uma união. Respaldado por uma carta assinada pelos 12 países do continente, Resende procurou o japonês Morinari Watanabe, presidente da FIG, para pedir a isenção das taxas.

— Ele seria reeleito para o ciclo seguinte e seria importante ter uma marca como essa, levar o Mundial pela primeira vez à América do Sul. Ele topou nos ajudar e deixou que pagássemos as taxas depois, não abateu o valor — lembra Resende, que acredita que o fato do Brasil viver momento especial da modalidade contribuiu para a escolha como sede.  — A ginástica brasileira vive momento muito especial. Saímos de Paris como o esporte mais vitorioso do Brasil, com a melhor atleta da história, a Rebeca Andrade. Todas as modalidades da ginástica vivem desenvolvimento significativo, não apenas a artística. E isso fica claro com a GR nos últimos dois Mundiais, quando bateu na trave em uma das séries.

A 41.ª edição do Mundial de GR será o maior da história. No total, 311 ginastas de 76 países estão inscritas, sendo 8 da América do Sul. A competição individual reunirá 104 ginastas, e serão 36 conjuntos. A edição anterior, em Valência, atraiu 92 atletas de 62 países, além de 24 conjuntos. 

Depois de o Brasil ser escolhido como sede do Mundial, em votação pelo comitê executivo da FIG, e do apoio do Governo Federal, é que a CBG começou a buscar patrocinadores para colocar o evento de pé. E somente na reta final, é que a entidade fechou a conta que deve ficar entre R$ 20 milhões e R$ 25 milhões.

O apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro, com cerca de R$ 15 milhões, e da Prefeitura do Rio de Janeiro, recém acertados, além dos patrocinadores da entidade foram essenciais.

— Fiquei com receio de não conseguir o dinheiro, mas de algum jeito eu tinha certeza que a gente ia conseguir. Sempre pensei positivo — comemora Resende, que reuniu 10 empresas, além dos governos federal, estadual e municipal pra fechar a conta. — Queremos popularizar ainda mais nosso esporte. Parte do montante pago pela realização do Mundial foi usado para a compra de 12 tatames que depois serão doados a projetos sociais ou escolas como legado.