opinião

Brasil, realidade ou ilusão? Um alerta vindo de fora da bolha

Há tempos, o Brasil parece oscilar entre o ufanismo fora de hora e a negação crônica da realidade. Discutimos o país como se estivéssemos em uma sala de roteiristas de novela: tudo movido a emoção, torcida e teorias conspiratórias — geralmente descoladas dos fatos. Mas, ocasionalmente, surgem vozes que ousam fazer aquilo que parece proibido por aqui: olhar os dados friamente. 

Uma dessas vozes é a de Marcos Troyjo, economista, professor e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil, que recentemente proferiu uma palestra lúcida e contundente no evento Avenue Connections.

Com o título da palestra disponível no YouTube, Troyjo traça um panorama realista — e desconfortável — do lugar que o Brasil ocupa (ou deixou de ocupar) na nova ordem econômica e geopolítica. E o veredito, embora sutil, é claro: estamos perigosamente alheios às transformações do mundo.

A começar pela chamada “globalização profunda”, aquela em que produtos como aviões ou eletrodomésticos eram feitos “no mundo” — com peças de dezenas de países — e que encantou analistas no início dos anos 2000. Segundo Troyjo, esse modelo ruiu. Estamos agora em uma era de intensificação geopolítica, marcada por rupturas, rivalidades e instabilidade. O Brexit, a pandemia, os conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia, as sanções à China e a ascensão de Donald Trump são apenas os sintomas visíveis de um novo ciclo: a chamada recessão geopolítica.

Dentro desse cenário, o Brasil parece estar preso em uma espécie de nostalgia institucional. Seguimos tentando aplicar velhas fórmulas em um mundo que já virou a página. E não faltam evidências.

Demografia? Já fomos a 5ª maior população do mundo. Hoje somos a 7ª, ultrapassados por países que, até pouco tempo atrás, sequer apareciam nos nossos radares geopolíticos, como Nigéria e Paquistão. Isso importa? Muito. Porque o futuro será desenhado por quem detém mercados em expansão, jovens em idade produtiva e escala de consumo. O Brasil envelhece rapidamente, mas finge que não vê.

Economia? Enquanto muitos no Brasil se apressam em enterrar os Estados Unidos como potência global, Troyjo aponta para um fenômeno que exige maturidade para ser reconhecido: os EUA vivem hoje um momento de exuberância econômica. A renda per capita americana é o dobro da zona do euro. Mesmo o estado mais pobre, o Mississippi, tem renda superior à da França, do Reino Unido e do Japão. Três empresas americanas — Apple, Microsoft e Nvidia — valem mais do que algumas das maiores bolsas de valores da Europa. E o PIB dos EUA, hoje em 30 trilhões de dólares, é 12 vezes maior que o brasileiro (era 6 vezes maior em 2010).

Dólar em declínio? Também não. Apesar das previsões otimistas em torno do yuan, do euro, de criptomoedas ou da mítica “moeda dos BRICS”, Troyjo é direto: “We are stuck with the dollar for a long time”. O dólar responde por 75% das reservas cambiais mundiais e por 90% das transações internacionais. Não há, no horizonte próximo, nenhuma moeda capaz de substituí-lo com segurança.
 
E a tecnologia? Ao contrário do que se repete nos debates mais passionais, a verdadeira divisão do futuro não será entre ricos e pobres, mas entre quem domina a inteligência artificial e quem sequer compreende seu impacto. Essa é a fronteira real. E dela o Brasil parece estar perigosamente distante — distraído, talvez, com velhas disputas ideológicas e debates estéreis.

Diante desse quadro, Troyjo propõe uma metáfora potente: o mundo se parece com uma corrida de Fórmula 1 sob chuva. A pista é escorregadia, os riscos são altos, e há variáveis que escapam ao controle. Mas a equipe pode — e deve — se preparar. No nosso caso, isso significa diversificação geográfica e econômica, inteligência estratégica, e menos ideologia na hora de interpretar o mundo.

A pergunta que fica é simples e incômoda: o Brasil quer mesmo participar do jogo global ou está satisfeito em continuar aplaudindo as próprias ilusões de arquibancada? Fica adica.

A    palestra    completa    de    Marcos    Troyjo    está    disponível    no    YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=_nKp1gNW62c
 

 

* Advogado especialista em Direito Autoral e Transformação Digital


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