Hidrogênio verde: ciência e inovação a serviço da transição energética
Versátil, armazenável e 100% sustentável, o hidrogênio verde se apresenta como combustível do futuro, capaz de impulsionar indústrias, mobilidade e projetos inovadores sem prejudicar o meio ambiente
À medida que a urgência climática se intensifica, o hidrogênio verde (H2V) emerge como uma solução tecnológica promissora, trazendo uma oportunidade de colocar o Brasil e o mundo na vanguarda da transição energética. Versátil, armazenável e 100% sustentável, ele surge como combustível do futuro, capaz de impulsionar indústrias, mobilidade e projetos inovadores sem prejudicar o meio ambiente, principal, sobretudo, em Pernambuco.
Estimativas da Agência Internacional de Energia (AIE) indicam que a produção desse combustível a partir de fontes renováveis poderia evitar até 830 milhões de toneladas de CO por ano, atualmente geradas pelo uso de combustíveis fósseis.
Processo
O hidrogênio verde é gerado por um processo chamado eletrólise, que utiliza corrente elétrica para separar o hidrogênio do oxigênio presente na água. Se a eletricidade usada nesse processo vier de fontes renováveis, a produção ocorre sem emissão de CO, tornando o hidrogênio uma fonte de energia verdadeiramente limpa.
Segundo o professor do Departamento de Energia Nuclear da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Emmanuel Damilano Dutra, o hidrogênio recebe essa denominação quando é obtido por meio da eletrólise da água (HO). Nesse processo, a água é colocada em um reator de eletrólise, consome-se bastante energia elétrica e ocorre a separação do hidrogênio e do oxigênio. “Para que seja considerado verde, a energia elétrica utilizada obrigatoriamente deve vir de fontes renováveis, como solar, eólica ou biomassa. Essa é a premissa do hidrogênio verde: ser uma tecnologia mais sustentável”, acrescentou.
Segundo a AIE, substituir o hidrogênio produzido por combustíveis fósseis (o chamado H cinza) por hidrogênio verde exigiria cerca de 3.000 TWh adicionais de energia renovável por ano, valor equivalente à demanda elétrica atual da Europa. Apesar do alto custo de produção, a expectativa é que, com a expansão das energias renováveis, o hidrogênio verde se torne progressivamente mais barato e viável.
H2V como energia limpa
O hidrogênio é o elemento químico mais abundante na natureza, e sua demanda global como combustível triplicou desde 1975. O objetivo internacional é alcançar 30 milhões de toneladas de hidrogênio verde até 2030, consolidando-o como uma alternativa limpa que emite apenas vapor d’água e não deixa resíduos nocivos na atmosfera, diferentemente de carvão ou petróleo.
Historicamente, o hidrogênio já foi usado como combustível em carros, dirigíveis e até naves espaciais. Com a descarbonização da economia mundial, ele deve ganhar ainda mais destaque. Se sua produção reduzir em 50% até 2030, como prevê o Conselho Mundial do Hidrogênio, estaremos diante de um dos combustíveis centrais do futuro.
Outra característica importante é a possibilidade de armazenar energia. Fontes como a solar e a eólica produzem eletricidade de forma intermitente, e essa energia precisa ser imediatamente injetada na rede. Já com o hidrogênio verde, é possível converter o excedente energético em hidrogênio e armazená-lo para uso posterior, seja na geração de eletricidade, seja na indústria.
“O hidrogênio também apresenta alta densidade energética em massa, quando comparado a outros combustíveis. O desafio é que, por estar na forma gasosa e ter baixa densidade, precisa ser comprimido, processo que consome energia, mas garante viabilidade de transporte e uso”, explicou o professor.
Pernambuco
Com uma infraestrutura de tecnologias energéticas, o Parque Senai Tecnológico, localizado no Complexo Industrial Portuário de Suape, a 40km do Recife, consolida como uma ferramenta estratégica para acelerar a transição energética, fomentar inovação e posicionar Pernambuco como referência nacional em novas tecnologias sustentáveis.
Segundo o diretor de Tecnologia e Inovação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Oziel Alves, a concepção do parque começou há cerca de três anos e meio. Em outubro deste ano, será inaugurada a primeira etapa da obra civil, com galpões e instalações industriais preparados para receber projetos customizados. Até agora, o investimento soma R$ 100 milhões, e outros R$ 200 milhões estão em captação e prospecção de novos projetos.
“Atualmente, dois projetos já estão em andamento. Um deles é o programa de digitalização da cadeia do hidrogênio verde, que inclui uma planta de produção com eletrolisador, sistemas de armazenamento, célula a combustível e rotas para compressão e envase do hidrogênio. Também está prevista a instalação de um ponto de abastecimento de veículos híbridos movidos a célula combustível.
Entre os parceiros já envolvidos no projeto estão TI Energia, Compesa, CTG Brasil (China Three Gorges), Hytron, White Martins e outras empresas.
Pesquisa
As pesquisas voltadas à transição energética e à inovação industrial vêm ganhando força nos últimos anos em Pernambuco. Nesse contexto, o Senai se destaca como Instituto de Ciência e Tecnologia (ICT), atuando na pesquisa aplicada e aproximando soluções tecnológicas do mercado, em parceria com universidades locais e com a rede nacional de inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).
Segundo Oziel Alves, os projetos em desenvolvimento no Senai Parque têm como diferencial o foco na rastreabilidade e na sustentabilidade. Para isso, são utilizadas plataformas tecnológicas avançadas que garantem a transparência da cadeia produtiva.
Com ênfase na pesquisa aplicada, o Senai atua de forma complementar às universidades, que têm papel mais acadêmico e teórico. A instituição concentra seus esforços em transformar a inovação em soluções práticas e viáveis. Atualmente, há pesquisas em andamento nas áreas de armazenamento de energia, rastreabilidade de energias renováveis, uso do hidrogênio e desenvolvimento de tecnologias para mobilidade elétrica e sustentável.
Nesse processo, o Senai mantém parcerias com a UFPE, a Universidade de Pernambuco (UPE), o Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e outras instituições de ensino e pesquisa. Além disso, integra a rede da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que conta com cinco unidades no estado e uma articulação nacional de institutos de inovação e tecnologia.
Entre as iniciativas recentes, destaca-se a Rede Zero C, aprovada em edital da Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia de Pernambuco (Facepe) dentro dos Institutos de Pesquisa, Ciência e Tecnologia do Estado (IPCTs). O projeto é coordenado pelo professor Rômulo Menezes e envolve diversos parceiros.
“A ideia foi unir atores acadêmicos e empresariais para trabalhar em diferentes frentes da transição energética e da descarbonização do Estado. Nesse contexto, o hidrogênio verde desempenha um papel central, seja no mapeamento do potencial de alocação de energias renováveis, no uso em transportes de grande porte, na produção de combustíveis avançados como o e-metanol e a amônia verde, ou ainda no suporte aos processos de descarbonização da indústria local”, explicou o professor Emmanuel Damilano Dutra.