Julgamento da trama golpista turbina audiência da TV Justiça e tem picos de espectadores no YouTube
Outras redes até podem divulgar as imagens, mas sem gerar conteúdo próprio
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que começa na próxima terça-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) e deve mobilizar o país, dará novamente projeção à TV Justiça, único canal que vai transmitir as sessões — outras redes até podem divulgar as imagens, mas sem gerar conteúdo próprio.
Até agora, as etapas anteriores da ação da trama golpista já deram picos de audiência para o canal no YouTube do órgão. O dia do interrogatório de Bolsonaro, por exemplo, em junho, teve 570 mil visualizações. Também falaram neste dia os ex-ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Walter Braga Netto (Casa Civil e Defesa), entre outros réus.
No dia anterior, o começo dos interrogatórios, com o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, gerou 288 mil reproduções. Já o recebimento da denúncia, em março, quando Bolsonaro e os demais viraram réus, rendeu 157 mil e 69 mil exibições, nos dias de julgamentos.
O recorde de audiência no último ano, contudo, é do julgamento que autorizou adeptos da religião Testemunhas de Jeová a recusarem transfusão de sangue em tratamentos médicos. Em 8 agosto de 2024, quando foram ouvidos os argumentos das partes dessa ação, houve 812 mil visualizações. No mês seguinte, nas duas sessões em que o caso foi julgado, houve 200 mil e 82 mil acessos.
Já em junho deste ano, quando foi formada a maioria para aumentar a responsabilização das plataformas digitais sobre o conteúdo publicado nelas, houve 60 mil exibições. Os dados são referentes aos maiores momentos de audiência entre 1º de outubro de 2023 e 1º de agosto de 2025 e foram repassados pelo Supremo.
Aproximação da sociedade
Com um orçamento em torno de R$ 40 milhões, que chega a R$ 60 milhões com despesas indiretas como limpeza e recepção, a TV Justiça transmite todas as sessões do plenário do Supremo, além de acompanhar outros eventos do Judiciário. O órgão foi criado em 2002, na gestão do ministro Marco Aurélio Mello na presidência do STF. Além de idealizar o projeto, Mello foi o responsável, como presidente da República interino, por sancionar a lei que criou o canal.
— Ela buscou aproximar o Judiciário da sociedade e a sociedade do Judiciário. Se tiverem que aplaudir, que aplaudam. Se tiverem que criticar, que critiquem. Só vejo aspectos positivos. É uma filha da qual eu tenho muito orgulho — diz o ministro aposentado.
O canal passou por investimentos recentes. No ano passado foi lançado um aplicativo, batizado de TV Justiça+, que reúne todas as sessões desde 2020, além de alguns julgamentos históricos da Corte. A rede também passou a ser o canal 1 da televisão aberta em Brasília, em um esforço para aumentar a audiência.
Ao apresentar a proposta de orçamento do Supremo para 2025, o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, separou um tópico específico para a TV e a Rádio Justiça. De acordo com Barroso, a estrutura tem “ônus significativo ao tribunal”, mas esse gasto é necessário “pois é um dos principais instrumentos que temos de divulgação institucional do trabalho do Poder Judiciário e de combate à desinformação”.
Impacto nos votos
A jornalista e cientista política Grazielle Albuquerque, especializada em comunicação e Justiça, afirma que a TV vinculada ao Poder Judiciário acelerou uma exposição do STF que já estava começando e levou inclusive a impactos nos votos dos ministros:
— Antes da criação da TV Justiça, em 2000, as emissoras comercias já haviam começado a cobrir o plenário. Então, é possível supor que o movimento de exposição em vídeo já fosse ocorrer. Mas acho que, de fato, a TV Justiça acelerou o processo e mudou a forma de decidir do Supremo. Há, inclusive, pesquisas que apontam como o tempo de duração dos votos foi se alongando.
Albuquerque afirma que casos como o da trama golpista são acompanhados quase como se fossem uma novela, mas ressalta que há outros elementos que levam a isso, como o acompanhamento nas redes sociais e o nível de conhecimento dos ministros:
— Esse fenômeno não pode ser só atribuído à transmissão em si. Há outros fatores: o Supremo já é conhecido da população, juntamente com os ministros, e o próprio julgamento de uma tentativa de golpe tem relevância e teor inéditos. Além disso, estamos vivendo um momento de grande polarização, que acirra os ânimos, e as redes sociais e a cobertura diária mantêm o assunto recorrente.