Gonet lê parecer que pede condenação no STF de Bolsonaro na trama golpista
Ex-presidente é acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado; Braga Netto, Mauro Cid, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno, Anderson Torres, Almir Garnier e Alexandre Ramagem também respondem
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, começou a a apresentar seu parecer pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros sete réus no processo da trama golpista. O julgamento ocorre na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).
— Constituição dispõe de meios para talhar investidas contra ela própria — disse no início da leitura.
Mais cedo, o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, afirmou que o país e a Corte só têm a "lamentar que mais uma vez se tenha tentado novamente um golpe de Estado". Ele fez uma crítica à proposta de anistia, apresentada por bolsonaristas na Câmara, e afirmou ainda que "apaziguamento significa impunidade".
A declaração ocorreu logo após a abertura da audiência pelo ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado.
— A História nos ensina que a impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação. Apaziguamento não significa impunidade. Confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição federal e mais, significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado. A pacificação do país, que é o desejo de todos, nós, depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições — afirmou Moraes. — O país e sua Suprema Corte só tem a lamentar que mais uma vez se tenha novamente tentado um golpe de Estado.
"Tentativa de coação"
O magistrado citou indiretamente as sanções impostas pelo governo dos Estados Unidos e reforçou a "defesa da soberania". Moraes teve o visto de entrada no país cassado por decisão da administração do presidente Donald Trump e foi alvo de sanções financeiras da Lei Magnitsky:
—O STF sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e seu compromisso com a democracia, o Estado de Direito e os princípios constitucionais brasileiros. Lamentavelmente, no curso da ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que passou a agir de forma covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o Poder Judiciário, em especial esse Supremo Tribunal Federal, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro Estado estrangeiro. Essa coação e tentativa de obstrução não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes deste Supremo Tribunal Federal,
Moraes acrescentou que, se existirem provas, os réus serão condenados:
— Assim se faz a Justiça. Esse é o papel do STF: julgar com imparcialidade e aplicar a justiça a cada um dos casos concretos, ignorando pressões internas e externas. É o mesmo respeito ao devido processo legal que o STF vem seguindo nas 1.630 ações penais ajuizadas pela PGR referentes à tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro de 2023.
O ministro deu as declarações antes de começar a leitura do relatório, momento em que resume as principais etapas do processo, como as acusações apresentadas na denúncia e as alegações da defesa.
O ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete aliados são acusados por uma tentativa de golpe de Estado. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), Bolsonaro liderou uma tentativa de ruptura democrática ao ser derrotado na tentativa de reeleição em 2022. A análise ocorre na Primeira Turma da Corte.
No início da sessão, Zanin esclareceu as regras, como a proibição de filmar e fotografar na sessão e explicou o passo a passo:
Leitura do relatório
Sustentação oral pela PGR por até duas horas
Sustentação das defesas, começando pelo réu colaborador e depois na ordem apresentada na denúncia
Apresentação do voto pelo relator
Voto dos demais ministros
O que está em discussão?
Enquanto tenta manter a influência sobre os rumos da direita para o pleito de 2026, o ex-mandatário atua na via processual apostando em uma divergência na Primeira Turma da Corte que possa reduzir a pena de prisão, caso condenado, e tentando minar a delação premiada do seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel Mauro Cid, usada como prova relevante da investigação. Bolsonaro não vai ao STF por questões de saúde, como informou o advogado Celso Vilardi. A Corte tem segurança reforçada nesta terça-feira.
O ponto central a ser debatido pela Primeira Turma do STF, composta pelos ministros Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux, é o plano golpista. De acordo com a PGR, foi arquitetado um complô para reverter o resultado da eleição, contrariando a Constituição, para manter Bolsonaro no poder. A investida só não teria ido adiante, mesmo com apoio de alguns militares, porque os então comandantes do Exército, Freire Gomes, e da Aeronáutica, Baptista Júnior, rejeitaram colocar as tropas à disposição do ex-presidente. O processo também representa um marco para a caserna, porque pode levar pela primeira vez à prisão de integrantes das Forças Armadas por atentado à democracia.
“Todos eles convergiram, dentro do seu espaço de atuação possível, para o objetivo comum de assegurar a permanência do presidente da República da época no exercício da condução do Estado, mesmo que não vencesse as eleições”, escreveu o procurador-geral da República, Paulo Gonet, em sua manifestação final. Os réus negam as acusações.
Além de Bolsonaro, serão julgados os ex-ministros Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres e Paulo Sérgio Nogueira; o ex-comandante da Marinha Almir Garnier; o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin); e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência e delator da trama golpista.
Link com provas
Para evitar que o julgamento vire alvo de disputas políticas e se prolongue até o ano eleitoral, o STF se organizou para concluir as sessões em até duas semanas. Entre a apresentação da acusação pela PGR, em fevereiro, e o início do julgamento na Corte, 196 dias terão se passado. É um intervalo 11 vezes mais rápido do que o do processo mais célebre do STF, o do mensalão, que tinha 38 réus. Em um esforço para evitar pedidos de vista, o que poderia empurrar o desfecho do caso para 2026, o gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator da ação da trama golpista, enviou aos demais integrantes da Primeira Turma um link com documentos, vídeos e áudios que compõem as provas do processo
O ex-presidente e outros réus traçaram um plano para tentar reduzir a punição em caso de condenação. Eles defendem que haja a “absorção de crimes” entre duas imputações: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e a tentativa de golpe de Estado — o grupo é acusado também de organização criminosa armada, deterioração de patrimônio tombado e dano qualificado a bens da União. Somadas, as penas atribuídas a Bolsonaro podem chegar a 43 anos de prisão.
O ministro Luiz Fux vem sinalizando em outros processos que pode ser favorável ao exame conjunto desses dois crimes. Ele tem votado dessa forma em casos do 8 de Janeiro.
Caso sejam condenados, Bolsonaro e os demais réus poderão apresentar na própria Primeira Turma os chamados embargos de declaração, tipo de recurso utilizado para esclarecer pontos de uma decisão. Esse instrumento não costuma reverter o resultado de um julgamento.
A depender do placar do julgamento, pode ocorrer uma segunda possibilidade de recurso, os embargos infringentes, que levariam a discussão para o plenário do STF. Eles só podem ser apresentados, no entanto, quando ocorrem dois votos pela absolvição do réu, o que é visto por aliados de Bolsonaro como cenário improvável de se concretizar.
Delação de Cid
Outro ponto que será debatido é a delação de Cid. Alguns réus, incluindo Bolsonaro, tentam anular o acordo, enquanto a PGR pede uma redução mínima da pena, por considerar que os depoimentos do militar foram “superficiais e pouco elucidativos”. A delação do tenente-coronel teve reviravoltas, incluindo uma prisão durante um depoimento e a ameaça de nova detenção após omissões, ponto explorado pelas defesas.
A origem da trama golpista está em Cid. A investigação que levou ao julgamento foi aberta pela Polícia Federal em 2023, a partir de elementos encontrados no celular do tenente-coronel, e ganhou força com a delação. Depois, novas provas surgiram, como a descoberta de que Bolsonaro apresentou aos comandantes das Forças Armadas um plano para reverter a derrota eleitoral, o que foi rechaçado.
— O julgamento dá um limite do que é tolerável no pacto constitucional. Negar o resultado das urnas e incitar a população, pela produção de informações falsas, não é compatível com a democracia constitucional liberal. E a eventual responsabilização dos militares dá um recado para as Forças Armadas de que a tentativa de golpe de Estado tem um custo — analisa o professor da FGV Rubens Glezer, um dos coordenadores do centro de pesquisa Supremo em Pauta.
Como será o julgamento?
Após o presidente da Primeira Turma da Corte, Cristiano Zanin, abrir a sessão, o primeiro ponto do julgamento é a leitura do relatório, momento em que o ministro Alexandre de Moraes faz um resumo do processo, apresentando os principais pontos listados pela acusação e pelas defesas.
Na sequência, é a vez das manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e das defesas, que se posicionam em ordem alfabética — a exceção fica com os advogados do tenente-coronel Mauro Cid, que se manifestam primeiro em função do acordo de delação premiada.
Há cinco dias já reservados para o julgamento, em oito sessões.
Veja as datas do julgamento
2 de setembro: 9h
2 de setembro: 14h
3 de setembro: 9h
9 de setembro: 9h
9 de setembro: 14h
10 de setembro: 9h
12 de setembro: 9h
12 de setembro: 14h
Leitura do relatório
Uma vez marcado e iniciado, o julgamento tem um rito próprio. Primeiro, o relator faz a leitura do relatório, que passa a ser elaborado com a conclusão da etapa de alegações finais.
Nesta etapa, prevista para a primeira semana, Moraes vai resumir tudo o que ocorreu na instrução processual, como os pontos da acusação da PGR e as argumentações das defesas.
Acusação da PGR
Em julho, ao apresentar as alegações finais sobre o "núcleo crucial" da trama golpista, que inclui Bolsonaro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu a condenação de todos os acusados por cinco crimes: organização criminosa armada, tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que suspensão do processo em relação aos crimes supostamente cometidos após a diplomação.
No julgamento, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, vai apresentar os principais pontos da acusação.
A PGR acusou Bolsonaro de ser o principal articulador e o maior beneficiário dos atos realizados contra o Estado Democrático de Direito. Segundo o parecer, o ex-mandatário "agiu de forma sistemática, ao longo de seu mandato e após sua derrota nas urnas, para incitar a insurreição e a desestabilização" da democracia.
Alegações das defesas
Na sequência, a acusação, feita pela Procuradoria, e as defesas dos réus terão prazo de uma hora para apresentar seus argumentos.
Ao presentar suas alegações finais, de modo geral, todos os réus negam os crimes e pedem a absolvição de todas as acusações. A defesa do tenente-coronel Mauro Cid solicitou que ele seja inocentado e pediu que, em caso de condenação, a pena não passe de dois anos. Os advogados do ex-presidente Jair Bolsonaro insistiram na falta de provas que pudessem colocar o ex-presidente no centro da trama golpista.
Apresentações dos votos
Após essa fase, o relator apresenta o seu voto e, posteriormente, o debate ocorre entre os demais ministros do colegiado.
Pela composição da Turma, os votos seguem a seguinte sequência: Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que vota por último por ser o presidente do colegiado.
Para que haja absolvição ou condenação é preciso que haja maioria de votos, o que, no caso da Turma, significa três posicionamentos no mesmo sentido. Nos dois casos é possível a apresentação de recursos, dentro do próprio STF.
A previsão de ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) é que o voto do relator da ação penal da trama golpista, ministro Alexandre de Moraes, só deve ser proferido na sessão do dia 9 de setembro, na segunda semana de análise. A estimativa tem como base o tempo reservado para as sustentações orais das defesas e da acusação.