TELEVISÃO

William Bonner vai apresentar o Globo Repórter; saiba relação do programa com o Cinema Novo

Programa será a nova casa de Bonner a partir de fevereiro de 2026, enquanto o apresentador será substituído por César Tralli no comando do Jornal Nacional

William Bonner se despede da bancada do Jornal Nacional ainda em 2025 - Reprodução/TV Globo

O Globo Repórter terá cara nova a partir de fevereiro de 2026. O programa das noites de sexta-feira da TV Globo passará a ter a apresentação dividida entre Sandra Annenberg e William Bonner, que será substituído por César Tralli na bancada do Jornal Nacional.

No ar desde abril de 1973, o Globo Repórter é um dos programas jornalísticos mais antigos da televisão brasileira. Ao longo das décadas, o programa influenciou não só a produção jornalística nacional, mas também a cena dos documentários brasileiros.

Nos anos 1970, o Globo Repórter foi considerado um espaço de resistência do documentário nacional, abrigando muitos nomes da geração do Cinema Novo, como Eduardo Coutinho, Geraldo Sarno, João Batista de Andrade, Dib Lutfi, Maurice Capovilla, Walter Lima Jr., Hermano Penna, dentre outros.

À época, os nomes viram no programa um espaço de independência editorial, uma vez que pensavam e produziam seus próprios episódios, em estrutura independente da então Central Globo de Jornalismo. O Globo Repórter também oferecia uma estabilidade financeira e sofria com uma menor repressão por parte das forças do regime militar.

Assistente de Glauber Rocha em "Deus e o Diabo na terra do sol", Paulo Gil Soares comandava o núcleo carioca do Globo Repórter e foi responsável por reunir boa parte desta equipe. Foi ele quem convidou Eduardo Coutinho (1933-2014). Considerado por muitos um dos maiores documentaristas brasileiros, responsável por obras como "Edifício Master" (2002) e "Jogo de cena" (2007), Coutinho tinha sua produção pré-1975 voltada para o cinema de ficção. No Globo Repórter, desenvolveu seu olhar documental e se tornou referência no formado.

O programa, inclusive, foi fundamental para que Coutinho concluísse sua obra mais famosa: "Cabra marcado para morrer" (1984). Eleito pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema como o melhor documentário brasileiro de todos os tempos, o filme, que seria uma obra de ficção sobre o assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, em 1962, teve suas gravações interrompidas pelo golpe militar de 1964.

No início dos anos 1980, Coutinho reencontra o material gravado. Aproveitando-se de viagens ao Nordeste para produzir episódios do Globo Repórter, o diretor retoma entrevistas com envolvidos no projeto original e transforma sua obra em um documentário sobre o filme que nunca aconteceu e a história de personagens como Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro.

Coutinho permaneceu no Globo Repórter entre 1975 e 1984, quando saiu após o lançamento de "Cabra marcado para morrer". No programa, dirigiu seis documentários: "Seis dias em Ouricuri" (1975), "Superstição" (1976), "O pistoleiro de Serra Talhada" (1977), "Theodorico, imperador do sertão" (1978), "Exu, uma tragédia sertaneja" (1979) e "O menino de Brodósqui" (1980).

O nordeste brasileiro foi cenário da maioria dos filmes do cineasta, que tratou de temas como a fome e a seca. Nos programa, também desenvolve um método de entrevistas que revolucionaria seu cinema, participando como um ouvinte ao lado do espectador, dando tempo para os entrevistados contarem suas histórias e, até mesmo, se contradizerem.

Outra referência do cinema nacional, Walter Lima Jr. também usou seu período no Globo Repórter para aperfeiçoar seu estilo e para tratar de temas relevantes até os dias de hoje. Em 1973, ele dirigiu para o programa a trilogia: "Poluição sonora", "Poluição do ar" e "Poluição das águas". No ano seguinte, realizou "Índios Kanela", retratando as dificuldades enfrentadas pela tribo do Maranhão.

A partir dos anos 1980, o Globo Repórter foi reestruturado e os documentários foram cedendo espaço para reportagens, passando a ser mais sobre jornalismo do que sobre cinema. O programa também passou a abrir espaço para homenagens a figuras como Chacrinha, Tom Jobim e Ayrton Senna.