Um thriller chamado Brasil Parte II*
No Brasil, a realidade segue inverossímil — e o desvario que acomete a República continua impressionando os mais engenhosos roteiristas. Se a inveja não fosse um sentimento vexaminoso, já teríamos ouvido vozes de Hollywood gritando “eu crio algo melhor!”
Entre estadistas, políticos, generais e juízes que tramam, investigam, viram réus e estrelam, o povo se engalfinha — não na busca por justiça, mas na disputa pelos papéis, sobretudo o de mocinho e vilão, como quem debate, com devoção novelesca, a pergunta que um dia parou o país: “Quem matou Odete Roitman?”
Se antes a palavra “lavagem” remetia a dinheiro oculto — seja oriundo de corrupção ou destinado a aventuras golpistas —, agora remete a roupa suja sendo lavada fora de casa, e o que é pior: na lavanderia do vizinho rico. Agentes políticos sob investigação recorrem (ou correm?) ao estrangeiro como quem busca asilo narrativo — e, de lá, tentam dar jeito na imundície doméstica jogando mais areia no lamaçal.
Enquanto isso, na cozinha do lar doce lar, viram-se cadeiras ocupadas, adesivos na boca e correntes nos braços — cena plenária que basta por si.
Mas, como é próprio dos roteiros mal escritos, quanto mais a cena se arrasta, mais o thriller vira “Cine Trash” (com a licença do saudoso Zé do Caixão) — e mais risíveis, indistintamente, mocinhos e vilões.
E, falando em roupa suja lavada na casa alheia, há quem, neste atoleiro verde e amarelo, esteja cumprindo à força o outrora polêmico “fica em casa” — não por uma pandemia, mas pelo pandemônio que ajudou a instaurar.
Curioso, nesse longa-metragem, é que, se a história fosse de faroeste, os que antes se diziam vítimas da crueldade do Velho Oeste hoje, se não aplaudem, silenciam diante das ações do severo xerife.
Fato é que os antagonistas se dizem guardiões da ordem, embora mais pareçam roteiristas e atores de uma trama nonsense, improvisando capítulos conforme o enredo ameaça fugir de controle.
Já nem dá mais para falar em script, plot twist e clímax — e tem inocente pensando que já está assistindo o spin-off.
Corta.
Em breve, cenas dos próximos capítulos.
*Este artigo retoma os fios narrativos de “Um thriller chamado Brasil”, publicado em 25/04/2024 na Folha de Pernambuco.
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