opinião

Assédio em excesso

O assédio moral no ambiente de trabalho é crescente em nosso país. “Entre 2020 e 2024, a Justiça do Trabalho, em todas as suas instâncias, recebeu 458.164 novas ações envolvendo pedidos de indenização por dano moral decorrente de assédio moral no trabalho. Entre 2023 e 2024, esse número cresceu 28%, passando de 91.049 para 116.739 processos”, conforme dados do próprio Conselho Nacional de Justiça (https://www.cnj.jus.br/em-cinco-anos-justica-do-trabalho-julgou-mais). 

Assim, nesse período contabilizamos quase meio milhão de casos de assédio moral no ambiente de trabalho levados ao Judiciário, uma realidade preocupante! 

No contexto da relação de emprego, assediar moralmente alguém, segundo Sérgio P. Martins, consiste em “uma conduta ilícita, de forma repetitiva, de natureza psicológica, causando ofensa à dignidade, à personalidade e à integridade do trabalhador. Causa humilhação e constrangimento ao trabalhador. Implica guerra de nervos contra o trabalhador, que é perseguido por alguém.” (Martins, Sergio Pinto. Assédio Moral. Revista da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, São Paulo, n. 13, p. 434, jan/dez. 2008.). 

O supracitado enxame de ações pleiteando dano moral decorrente de assédio moral no ambiente de trabalho leva a uma reflexão: a de que as vítimas estão mais esclarecidas dos seus direitos e do exercício da cidadania, tanto que recorrem ao Estado-Juiz para o deslinde dos conflitos. 
Por outro lado, chama à atenção que houve um aumento significativo de casos entre 2023 e 2024, mesmo sob a égide da Lei nº 14.457/2022 que atribuiu mais um “A”, às Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, passando a serem chamadas de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA). 

Mercê dessa norma jurídica, as empresas que possuem CIPA devem adotar regras comportamentais no ambiente laboral, visando prevenir e combater o assédio sexual, moral e outras formas de violências. Em suma, a legislação específica sobre o tema por si só não gera milagres, é preciso sim reeducar o  ser humano para conviver em harmonia nos ambientes de trabalho e assim evitar a prática dos assédios. 

E essa mudança comportamental, não  há motivo para pensar diferente,  exige romper com as mazelas da nossa formação social, a exemplo do legado escravagista que deixou marcas profundas em nossa cultura, além do machismo, da misoginia, do racismo, da aversão às pessoas pobres (aparofobia), dentre outras discriminações reinantes ainda em muitos rincões do nosso enorme país. 

Tais sentimentos facilitam a manifestação de comportamentos abusivos, como desqualificação, humilhação e isolamento de minorias. O assédio moral, caro leitor,  não é um mero aborrecimento pontual havido no cotidiano do empregado, não é tão simples assim. A repetição do ato abusivo gera danos à autoestima da vítima, fere a integridade moral do indivíduo, entenda-se ataques contra a sua esfera subjetiva (dor, vexame, humilhação, abalo psicológico).  

Vale lembrar que a Constituição Federal de 1988 claramente protege  a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), a honra, a intimidade, a vida privada e a imagem (Art. 5º, X), todos ligados à integridade moral.  Portanto, a prática do assédio moral é ilícita e sobretudo odiosa porque  viola a dignidade da pessoa humana, levando em alguns casos o trabalhador a desenvolver doença ocupacional, a exemplo da Síndrome de Burnout (QD85 na CID-11), que é o resultado de muito estresse relacionado ao labor capaz de afetar a saúde física, mental e emocional do trabalhador. 

Muitos acometidos com Burnout são obrigados a se afastar do ambiente tóxico do trabalho e requerer benefício previdenciário para o seu sustento, sobrecarregando com isso a nossa seguridade social, o que poderia ser evitado se houvesse paz, harmonia e sempre respeito entre as partes no ambiente laboral. Dessa forma, ganhariam o empregado, o patrão, a sociedade, e pouparia os cofres do sistema público de previdência. 

* Advogado, doutor em Direito, sócio efetivo do IAHG e do IHO
mbpf64@yahoo.com.br



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