Maria Bethânia canta música inédita de Rita Lee em show que celebra 60 anos de carreira
Estreia da turnê no Rio teve homenagens também a Angela Ro Ro e Nana Caymmi
Na estreia da turnê comemorativa dos 60 anos de carreira de Maria Bethânia, no último sábado no Vivo Rio, num dos momentos mais aguardados da noite foi a homenagem a Rita Lee, com a inédita “Palavras de Rita”, deixada pela artista especialmente para a baiana.
"Rita Lee deixou uma letra poema com um pedido: que eu a cantasse. Entregou à minha voz seus pensamentos, reflexões e lucidez. Pediu que o Roberto (de Carvalho), seu amor e parceiro, musicasse. Comovida, realizo o desejo dessa artista imensa", disse, antes de cantar a canção.
“Eu, hermafrodita/ Da água respirei, a vida/ No sangue que bebi, o soro/ Nos ares explodi, em choro/ Da gula que comi, a fome/ Da fêmea que nasci, homem/ Eu me transformei, em mim/ Do Deus que duvidei, o sim/ Das mortes que vivi, o além/ Dos vícios que virei, refém/ Dos bichos que sou, felina/ Na velha que estou, menina”.
Outro grande momento do show foi a dobradinha de canções de Angela Ro Ro: “Mares da Espanha” e “Gota de sangue” (acompanhada somente pelo piano), gravada por ela no disco “Mel” (1979). Com um trecho de Eucanaã Ferraz e seguido por “Sussuarana”, música gravada com Nana Caymmi em “Brasileirinho” (2003), Bethânia relembrou a amiga.
Como foi o show
Se, depois da pandemia de Covid-19, Bethânia rodou o país em festivais e, em seguida, em grandes arenas com o “mano Caetano”, sempre com repertório de sucessos (um pot-pourri de hits), desta vez ela decidiu voltar às origens que a consagraram: casas menores, músicas inéditas, trechos de poemas e textos, um pensamento organizado, com início, meio e fim, sobre o Brasil, o palco e a vida.
Bethânia abriu o show com “Sete mil vezes”, de Caetano. Emendou em “Canções e momentos”, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e “Gás neon”, de Gonzaguinha. A forma da cantora enxergar o Brasil começou a surgir em seguida, com a sequência de “Podres poderes”, canção do irmão que não cantava desde os anos 1980, um trecho recitado de “A queda do céu”, de Davi Kopenawa e Bruce Albert, “Ofá” e “Kirimurê”.
Do histórico “A cena muda” (1974), dirigido pelo seu mestre Fauzi Arap, Bethânia incluiu “Resposta”, de Maysa, “Demoníaca”, de Sueli Costa e Vitor Martins, e “Taturano”, de Caetano e Chico de Assis.
Com “Rosa dos ventos”, de Chico Buarque, que rendeu o momento mais catártico da noite. Em estado de graça, Bethânia — que também assina a direção e o roteiro da turnê — entregou uma interpretação cheia de força. A cena foi correspondida pelo público, que a aplaudiu de pé, calorosamente.
Do “Opinião” que a lançou ao estrelato, e que marca oficialmente o princípio dessas seis décadas que agora são merecidamente celebradas, Bethânia só cantou “Diz que fui por aí”, de Zé Keti e Hortêncio Rocha. Antes de sair do palco, no entanto, ao fim de “Vera cruz”, inédita de Xande de Pilares que faz ode ao Brasil e à diversidade religiosa, a intérprete entoou um verso de “Carcará”, canção indissociável de sua voz e de sua história: “Pega, mata e come”. Ela voltou, a pedido do público, para um bis — que teve o samba “Maria Bethânia, a menina dos olhos de Oyá” e “Reconvexo”. A noite terminou com gritos de “Sem anistia” vindos da plateia — que queria outro bis.