SAÚDE

Obesidade: Justiça suspende prorrogação da patente da liraglutida, da caneta emagrecedora Saxenda

Farmacêutica alegou demora de mais de 13 anos na análise da licença, mesmo argumento que utiliza para tentar estender a patente da semaglutida, do Ozempic e Wegovy

Saxenda, remédio semelhante ao Ozempic, é aprovado no Brasil para obesidade - Divulgação / Novo Nordisk

O juiz Flávio Jardim, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, suspendeu os efeitos da decisão da Justiça Federal que havia estendido a patente da liraglutida, princípio ativo do Saxenda, remédio usado para obesidade. A medida vale até o julgamento do caso em segunda instância no tribunal.

Segundo o magistrado, a extensão "impactaria diretamente a política pública de início de comercialização de medicamentos genéricos à base de liraglutida, mantendo a concentração de mercado, a alta de preços e causando prejuízo econômico coletivo".

A validade da patente da liraglutida, que garante exclusividade na venda, já havia chegado ao fim no país no ano passado, mas a farmacêutica Novo Nordisk pediu a prorrogação alegando que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) levou mais de 13 anos para analisá-la.

Na última semana, o juiz federal Bruno Anderson Santos da Silva acatou o pedido da Novo e determinou a recomposição da licença por ao menos 8 anos ao considerar a medida como “a mais adequada e eficaz para reparar o dano causado pela ineficiência estatal” na demora do Inpi.

 

Em nota, a Novo Nordisk celebrou a decisão e a considerou “um precedente relevante para a discussão sobre segurança jurídica e o ambiente de inovação no Brasil”. Além disso, lembrou que o pleito é o mesmo defendido pela empresa em relação à patente da semaglutida, ingrediente do Ozempic e do Wegovy.

Segundo a legislação brasileira, medicamentos novos podem ser protegidos por patente por um período máximo de 20 anos. O prazo garante à farmacêutica que arcou com os custos de desenvolvimento o direito de comercializá-la de forma exclusiva por um tempo. Depois, outros fabricantes podem produzir e submeter à aprovação da Anvisa versões similares ou genéricas.

O artigo 38 da Lei de Propriedade Industrial diz que o registro passa a valer oficialmente apenas a partir do fim da análise e da liberação do Inpi. No entanto, artigo 40, que aborda o prazo de validade, estabelece que os 20 anos começam a contar já a partir da data de depósito do pedido.

A Novo Nordisk reclama que a demora de 13 anos na análise da patente, tanto no caso da liraglutida, como no da semaglutida, fez com que a farmacêutica conseguisse usufruir de menos da metade do prazo previsto pela legislação.

Em 2021, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou o tema e declarou inconstitucional um parágrafo da lei que levava à prorrogação automática das patentes nos casos de demora por parte do Inpi.

A decisão levou a Novo Nordisk a ter o pedido de extensão da patente da semaglutida, que acaba em março do ano que vem, negado em primeira e segunda instância. O caso aguarda julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A farmacêutica argumenta não querer ir contra o entendimento do STF, por não pedir um ajuste automático, mas sim pontual.

Em relação à liraglutida, após o juiz ter determinado a recomposição da licença, a EMS, laboratório brasileiro que começou a produzir medicamentos à base de liraglutida, chamados de Olire e Lirux, recorreu da decisão e entrou com uma ação cautelar pedindo a suspensão imediata dos efeitos da medida.

O laboratório argumentou que a Novo descontinuou a produção de seus medicamentos à base de liraglutida (Saxenda e Victoza) e que há uma demora mínima estimada de 90 dias para o julgamento do recurso, o que poderia produzir “ restrições concretas ao seu produto já disponível no mercado”.

“Soma-se a isso um programa industrial integrado (da síntese do IFA ao produto acabado), com investimentos que já ultrapassam R$ 1 bilhão e projeção de cerca de 250 mil canetas no ano, cuja continuidade ficaria comprometida”, diz no pedido.

A Novo chegou a alegar que o pedido seria “inútil”, pois os efeitos da sentença já são suspensos de forma imediata quando se recorre. Ainda assim, o juiz Flávio Landim acatou o pedido da EMS e determinou que a patente segue sem extensão até que o caso seja julgado na segunda instância.

Na decisão, ele citou que “a tese de que a demora na apreciação do pedido (no Inpi) produziria um dano concreto (à Novo Nordisk) foi expressamente afastada pelo Supremo” quando a Corte revogou a prorrogação automática.

Isso porque o artigo 44 da Lei de Propriedade Industrial já garante ao titular da patente o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu produto entre a data da publicação do pedido e a concessão, ou seja, mesmo antes da análise do Inpi.

Em nota, a EMS afirmou que a suspensão “assegura a continuidade da fabricação e comercialização de seus medicamentos à base de liraglutida” e “reforça a plena regularidade da sua atuação”.

Bruno Halpern, vice-presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e diretor do departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), vê com preocupação o risco de que medidas como a extensão das patentes dificultem um maior acesso aos medicamentos:

— O que queremos, acima de tudo, é que os tratamentos para obesidade sejam acessíveis à população. Por isso, todo movimento que favoreça maior acessibilidade e redução de custos é positivos, já os que caminham no sentido contrário nos preocupam.